Uma noite dessas, enquanto eu zapeava pelos canais de tevê, ouvi de um entrevistado que ele se considerava fluente em inglês, mas péssimo em português. Como eu disse, estava zapeando, e me escaparam completamente o canal e o nome do entrevistado. E também só ouvi isso dele. Mas pelo jeito de falar deu para perceber que ele era brasileiro. A fala desse entrevistado me levou a falas de muitos alunos que ficaram um ou dois anos em países estrangeiros e, segundo alguns, perderam a capacidade de pronunciarem certas palavras bem básicas da nossa língua. Uma aluna, muito querida, teve "um branco" ao tentar falar "água". De boca seca tudo fica mais difícil mesmo.
Não duvido que algumas pessoas sejam fluentes em outra língua. É um fato. Mas é bobagem dizer que alguns anos fora do solo tupiniquim bloqueiam nossos ouvidos a ponto de nos tornarem incapazes de nos comunicarmos. Todo santo dia nos esquecemos de um monte de palavras (não me lembro de ter me esquecido de "água"), nem por isso deixamos de atingir nossos objetivos no contexto em que estamos. O uso de toda língua se concretiza em situações muito concretas de interação. Eu já fiz miséria conhecendo apenas uma coisinha bem básica do francês. O som estava alto, a bebida deliciosa e meus novos colegas franceses adorando Curitiba. Depois da ressaca me lembrei de ter misturado um pouco de inglês, espanhol, português e de ter usado muitos gestos. Alguns gestos tendem a ser universais.
Por trás dessa besteira toda de não saber mais o português podemos vislumbrar um gigantesco pedantismo. A pessoa não acredita de fato que não saiba mais nossa língua. Ela só quer dizer que fala outra mais chique. E que ficou fora desse país subdesenvolvido, dessa língua que lembra pobreza, sem neve (ou quase nada) e sem Torre Eiffel, ou melhor, Tour Eiffel.
