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Semana passada lembrei o célebre conselho de Nel­­son Rodrigues aos jovens: "Envelheçam". Claro que é só uma boa frase de efeito – eu, por exemplo, vou me agarrando à jovialidade dos meus demorados 50 anos com unhas e dentes, tentando não deixar escapar uma só hora no túnel do tempo e do vento. Mas dia desses, numa rara manhã em que resolvi ir ao Centro de carro, desejei ar­­dentemente ter 60 anos, só pelo direito de estacionar naquelas vagas providenciais que sempre estão livres em cada quadra atulhada de automóveis. E ve­­nho percebendo que a lei dos idosos vai se espalhando por tu­­do quanto é espaço público, o que inclui até estacionamento de supermercados.

Engarrafado no trânsito e ju­­rando jamais repetir o erro de atravessar o Centro de carro, imaginei como seria feito o controle daquelas vagas. Cabeça nas nuvens, esperando o sinal verde, imagino um guarda, bloquinho na mão, discutindo com a coroa elegante: "Me desculpe, mas a senhora não tem 60 anos! Vou ter de multá-la!" Para ela, uma dúvida terrível: melhor levar ou não levar a multa? Conheço gente que não entra em ônibus de graça para não passar por velho.

Sou um cronista desligado. Só outro dia um amigo me explicou o sistema: ele agendou pela in­­ter­­net, aliás num site com uma efi­­ciência nórdica, a ida à Urbs para pegar sua "credencial de ido­­so". O documento saiu em três minutos. Mesmo feliz da vida com a carteirada que ele iria dar daqui para a frente ocupando orgulhosamente aquela vaga-ratoeira de multar incautos, o amigo lamentou, paradoxal: "Estou arrasado. Sou um idoso de carteirinha!"

Com minha mania de botar defeito em tudo, pensei na justiça desse critério dos 60 anos. A expectativa de vida do brasileiro subiu substancialmente na última década: na média, segundo o IBGE, dá exatos 72 anos, 10 me­­ses e 10 dias. Um brasileiro vive mais do que a média do resto do mundo – deve ser por isso que a gente vive rindo. (Mas se você tem 20 anos e mora na região metropolitana de Curitiba, me­­lhor só sair de casa depois dos 30. O que é outro assunto.)

Bem, pensando friamente com a estatística na mão, uma mordomia aos 60 anos garante mais de 12 anos de facilidades. Mas se considerarmos os brasileiros proprietários de carros, esse índice deve ser muito mais alto. Isto é, os tempos mudaram. Hou­­ve uma época em que a célebre mulher de 30 de Honoré de Balzac já era uma velha encalhada. Hoje, tiozões de 60 fazem academia e topam qualquer negócio para passar por jovens, da plástica à tintura de cabelo. Quem vai querer uma "credencial de idoso"?!

Na dúvida, agora só ando a pé, e torço para os engarrafamentos chegarem aos últimos limites da física; única solução, a cobrança de pedágio no perímetro urbano, como em Londres. Andar bas­­­­tante, aliás, é ótimo para se­­gurar o tempo e melhorar a taxa de longevidade. Pena as malditas calçadas de Curitiba – mas isso também é outro assunto.

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