| Foto: Gilberto Yamamoto

Por que as pessoas não saem todas, em massa, assaltando os supermercados, colocando produtos nos bolsos, ou roubando bolsas dos outros nas festas, ou levando carros dos distraídos, ou quebrando vitrines com porretes, ou arrancando mochilas de crianças, ou enfiando as mãos nos caixas, ou entrando nas casas das velhinhas para tirar as joias? Porque existe polícia, certo? Errado. As pessoas não roubam compulsivamente umas às outras porque foram educadas para isso. Há o peso monumental de uma cultura que nos ensina, antes mesmo que a gente aprenda a falar, que o alcance da nossa mão tem um limite que deve ser respeitado.

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A polícia não existe para garantir o funcionamento dessa cultura; ela existe, em tese, apenas para os momentos excepcionais em que o fio da cultura se rompe. Ela deve ser acessória, complementar, periférica. Apenas nas ditaduras mais totalitárias o papel da polícia busca o controle total do comportamento. Em Estados democráticos, isso não faz sentido.

Até porque, especulando livremente, se a metade da população resolvesse num rompante sair à rua para roubar, quebrar, dilapidar, demolir e agredir, nenhuma polícia do mundo seria capaz de controlar, a menos que resolvesse matar a torto e a direito, mas até isso teria um limite. Revoluções violentas são feitas mais ou menos assim, quando a maior parte de uma nação, ou um segmento significativo dela, resolve quebrar os liames de uma situação estabelecida, para im­­plan­­tar uma nova ordem. Vide a Líbia. Mas revoluções verdadeiras não são motins; são mudanças radicais de culturas, o que tem um outro estatuto.

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Eu só queria chamar a atenção para a lógica da rapina. Po­­demos concordar que o Brasil anda um país muito violento, que os assaltos são uma calamidade pública e que é arriscado sair à noite em qualquer cidade do Brasil – mas, apesar de tudo, não ocorre a ninguém que a maioria da população seja ladra ou assassina. Isto é, para a felicidade geral da nação, o peso da cultura que defende uma convivência pacífica de respeito mútuo entre os cidadãos ainda é incomparavelmente superior à sua contrapartida.

Apenas numa área de atividade a equação se inverteu: a rapina política se tornou a lógica disseminada da maioria dos seus, digamos, usuários. A norma parece que é a subtração, sendo os "ho­­nestos" pequenos e ridículos gatos pingados. O número de meliantes em ação nas assem­bleias, câmaras e no Congresso Nacional, nos ministérios e nas repartições, em toda parte – fazendo uma ponderação entre o que acontece, as medidas tomadas e os efeitos penais respectivos – me leva a concluir que, na área política, a defesa do larápio é sempre mais tonitruante, rápida e efetiva que a ação da polícia. No máximo, perde-se o cargo, mas nunca os anéis. O que faz sentido, quando uma cultura determina o que, de fato, deve ser defendido.