Dias atrás li uma manchete aqui na Gazeta que fala por si: "Irã enforca dois acusados de liderar protestos; 12 podem ser mortos". Os crescentes protestos no Irã são contra a fraude eleitoral que reelegeu Mahnoud Ahmadinejad na presidência do país. O mesmo cidadão para quem, há pouco tempo, Lula serviu cafezinho e trocou sorrisos aqui no Brasil lembrando-se de dizer, com a graça de sempre, que os protestos que aconteciam lá eram uma chiadeira de perdedores. A ideia de que se pode enforcar pessoas que protestam nas ruas contra o resultado de uma eleição, ou o que seja e enforcá-las legalmente, de acordo com os trâmites dos tribunais é tão visceralmente absurda que sempre me surpreende a dificuldade das esquerdas para colocar um foco em alguns dos direitos fundamentais da condição humana. O horror iraniano seria tolerável em nome de alguma contrapartida ao "poder americano", ou outro mantra do gênero.
Há como que um deslocamento da questão central para duas direções: ou em nome de alguma utopia fundamentalista que exige o sacrifício hoje para que se alcance amanhã o paraíso terrestre (a máquina ideológica que criou e sustentou a União Soviética), ou o que se costuma chamar de "pragmatismo político" o mesmo que deu casa e comida para a equipe de Zelaya durante meses num dos mais bisonhos fracassos da nossa política externa. Na Venezuela, o que menos preocupa são as nacionalizações; o sinal evidente de que algo ainda vai se transformar em tragédia irreversível naquele país são as "milícias bolivarianas", um recurso clássico do fascismo criar um exército particular de fanáticos que respondem diretamente ao presidente da República e que exercem a função onipresente de "guardas da esquina". É uma viagem sem volta porque destrói o país. Qualquer análise fria verá que o legado de Hugo Chávez será uma ruína política, cultural e social duradoura, como sempre acontece nas ditaduras.
Para a geração de esquerda que hoje tem de 50 a 70 anos, ronda o eterno fantasma da revolução cubana e dos sonhos ideológicos dos anos 60. Costuma-se dizer que os sonhos são bons, mas se corrompem; a questão é que o imaginário sincero que moveu aquela geração de lutadores era fundamentalmente um equívoco o pressuposto político de que a felicidade humana depende da eliminação das diferenças, e não de seu cultivo. Cuba foi soterrada pela sua revolução; hoje é uma sombra de um país, comandado por uma gerontocracia policial e militar truculenta que não pensa em outra coisa senão na sobrevivência própria, dia a dia, porque sabe que não tem futuro. Parece que a resistência da esquerda sincera em reconhecer o óbvio deve-se muito mais ao amparo psicológico que precisamos para dar algum sentido à nossa vida do que a qualquer análise racional. Enquanto isso, os enforcamentos prosseguem no Irã.