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A piada é velha: a internet veio para resolver problemas que antes não existiam – mas, de fato, fico me perguntando como consegui sobreviver mais de 40 anos sem computador nem internet. Resisto entretanto ao saudosismo bucólico, dos velhos tempos em que, para pagar uma conta ou trocar um cheque, pegava-se uma pesada ficha de bronze e aguardava-se o chamado em altos brados. O caixa colocava uma ficha gigante numa máquina contábil especial, onde marcava créditos e dé­­bitos. Hoje somos nós que viramos todos funcionários dos bancos, trabalhando de graça aos sábados, domingos e feriados, fazendo pagamentos, transferências, aplicações, docs e o que for preciso – e o incrível é que achamos isso maravilhoso.

E é mesmo. A toda mudança de patamar de civilização corresponde uma mudança tecnológica, do arado ao computador, que muda, às vezes dramaticamente, o sistema de produção e os pa­­râmetros de relação social. Discutir esses efeitos está longe da pretensão do cronista, que aliás tenta se defender da internet como pode. Fascinado por ela, já perdeu dias e semanas com a banda larga na veia, fa­­zendo nada – até perceber que ou reorganizava o tempo ou viraria um zumbi do monitor. Algumas medidas básicas funcionaram: não leio e-mails que não sejam pessoais e resisto a "sur­­far". Quando ligo o computador, sei o que procuro: percorrer jornais ou fazer consultas (e nessa área de referência, a revolução da internet é absolutamen­­te fantástica).

Mas dia desses escapei distraí­­do para uma ponte com "co­­men­­tários de leitor", que passaram a me atrair, primeiro como curiosidade linguística, depois como sociologia, e atualmente como, digamos, aspectos patológicos do comportamento cotidiano. Fi­­quei impressionado com a violên­­cia dos comentários, o grau de agressividade, o pri­­marismo ar­­gu­­mentativo, o desejo de ferir – enfim, a estupidez pura e simples em que tanto o bom como o mau domínio da escrita se mesclam com o desejo de sangue a qualquer custo. Qualquer tema é gancho para o jogo baixo, o preconceito escarrado, o ressentimento, o rancor miúdo, sempre ocultos no pseudônimo: dos candidatos ao governo às notícias policiais, das páginas de cultura ao preço dos carros, do futebol ao cinema, tudo é argumento para o tacape digital assassino, incapaz de uma ponderação civilizada. Como se o inconsciente selvagem de cada um, sem filtro, ga­­nhasse vida num clique. Acom­­panhar comentários de leitores na internet é quase sempre uma viagem chocante, inútil, deprimente.

Talvez eu esteja mesmo fi­­cando velho, saudoso de uma cor­­dialidade brasileira que nunca existiu, exceto no papel. As estatísticas mostram que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo, e no conforto da classe média tendemos a achar que isso é um problema distante. Mas, no escurinho da internet, vemos que o país real está muito próximo e mostra os dentes em toda parte.

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