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Curitiba é uma cidade famosa por dois motivos contraditórios ­– uma fama externa e outra interna. A externa todo mundo sabe, e sinto sua força onde quer que eu vá. Agora, por exemplo, escrevo esta crônica em um hotel em Cuiabá, depois de um choque térmico de pasteurizar a alma (saí de Curitiba com 8 graus, cheguei aqui com 34), e em poucas horas já ouvi vários elogios à minha cidade. O sistema de transporte e o planejamento urbano são referências imediatas, mas sempre vem uma sobremesa com elogios ao Festival de Teatro, à limpeza das ruas, à organização da cidade, que é "ecológica".

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Antigamente, com 30 anos de prática na Boca Maldita afinando a verruma da língua, eu dizia que não é bem assim. Muita propaganda, esse pessoal exagera, a cidade é violenta, o sistema de transporte está esgotado, e por aí vai. Hoje, prefiro apenas dizer que Curitiba tem obviamente os mesmos problemas que o Brasil tem, com algumas vantagens operacionais que podem fazer diferença. Na verdade, sempre que saio de Curitiba quero o quanto antes voltar para lá, o que, é claro, diz mais do meu temperamento do que da cidade.

Essa fama positiva da cidade é resultado de uma criação de imagem urbana incrivelmente bem- sucedida. Porque se pensamos na Curitiba que vai até os anos 60, éramos uma capital sem rosto, sem um sinal visível de uma personalidade marcante. No máximo, vagamente, uma "cidade universitária". Quando menino eu ouvia também dizerem que Curitiba era a "cidade sorriso". Por que esse título soava tão absurdo até para uma criança?

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E aqui chegamos à reputação caseira de Curitiba, o que se diz de seus habitantes. De vez em quando dou de cara com essa imagem interna, no papel da vítima. Há pouco recebi um e-mail de um leitor reclamando que eu não respondia suas mensagens, mas já na frase seguinte se ergueu o verdadeiro assunto: que Curitiba é assim mesmo, todo mundo metido a besta, com o rei na barriga; aqui ninguém dá bom-dia nem informação porque se acha superior, e eu seria só mais um deles – e a catilinária foi me reduzindo a nada, eu já profundamente arrependido do meu suposto crime. Bem, irritação do leitor à parte, a imagem do cidadão que ele retrata não é um desvario avulso; corresponde de fato a um imaginário coletivo do "ser curitibano", essa figura indecifrável. Alguém arredio, de uma reserva que, mal-entendida, beira a hostilidade, ou então de uma extroversão agressiva e fora de esquadro, com o qual o próprio curitibano gosta de brincar. Ou acusar: nossa autofagia é célebre.

O que não deixa de ser um paradoxo curioso – nesta fotografia mental, Curitiba é uma cidade que se define como marca de modernidade e que abriga uma população conservadora e surdamente refratária. Mas entre as imagens e o mundo real, existem cidades de fato e pessoas em carne e osso. Não é simples desembarcar do conforto da imagem e tocar a vida real.