Um dos temas cruciais para entender o mundo de hoje são os efeitos do que representou a chamada geração 68. A partir de movimentos estudantis anárquicos de classe média, originados na França, uma espécie de revolução não organizada espalhou-se pelo mundo, com consequências que foram desde a proliferação da luta armada como política de contestação de governos até uma mudança radical de costumes, da moda masculina dos cabelos compridos à implosão da família nuclear tradicional. A explosão do final dos anos 1960 foi um evento com toques irracionais. A geração de jovens mais bem tratada da história do Ocidente, criada na esteira de desenvolvimento e prosperidade que se fez após a Segunda Grande Guerra, resolveu chutar o pau da barraca e mudar o mundo. Na escala da vida cotidiana, pesava a tensão emocional de jovens vivendo sob a pressão de pais com uma densa memória do sofrimento da guerra e da carência. Um velho mundo cultural, familiar, político e religioso ainda de substância agrária alimentava uma nova juventude urbana de massa, já desvinculada de sua própria história, que súbita irrompeu. Na escala política, a Guerra Fria ocultava, pela violência bruta da política externa americana, o que estaria de fato em jogo; milhões de pessoas ainda achavam sinceramente que a União Soviética era uma boa ideia, dando alimento ao fantasma confortável das utopias. Em nome delas, queimam-se livros, matam-se infiéis, suprimem-se os diferentes.
Entre nós, no Brasil e na América Latina, a luta armada foi um erro político alimentado pelo delírio da época, mas com um ingrediente poderoso que a justificava: a delinquência de Estado. Ao romperem com a ordem legal, em golpes armados, as ditaduras latino-americanas legitimaram a violência da reação. Os governos ilegais chamavam de "guerra" o que era de fato a simples expressão de seu horror aos empecilhos da democracia. Casos completamente diferentes foram os movimentos clandestinos europeus, particularmente impactantes na Itália e na Alemanha. O paradoxo é que lá vivia-se um período de legitimidade política, democracia e liberdade como nunca houvera antes. A explosão juvenil que ocupou as ruas nos legou conquistas culturais que sem dúvida mudaram o mundo para melhor. Mas criou também pequenos grupos defensores da luta armada que, ainda herdeiros radicais e esquizofrênicos da Revolução de 1917 e contra toda a lógica do tempo, lançaram-se em ações isoladas e delirantes. Imaginando-se políticas, foram ações apenas homicidas, como nos romances proféticos de Dostoievski. O caso Battisti é um dos respingos obsoletos daquela era. O Brasil, firulas jurídicas à parte, fez o costumeiro papel de paraíso exótico da delinquência. Battisti certamente será mais um reforço para os filmes B em que o país, entre risos, aparece tradicionalmente como refúgio seguro dos criminosos internacionais.
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