Descobri que o amigo Matozo, além de um bom técnico de informática, é também melômano, e dos sofisticados: gosta de música erudita. E por causa dela pela primeira vez vejo-o perdendo a calma, enquanto aumentava a memória do meu PC. "O público de Curitiba é o pior do mundo!" Não gosto quando falam mal da minha cidade; acho que só quem mora aqui há mais de 10 anos tira o brevê para o exercício da autofagia. Mas Matozo tem um sobrenome em "ówsky" por parte de mãe, e sente-se nele uma certa aragem da Cracóvia um curitibano clássico. Estava injuriado:
Tudo bem que o povo vá aos concertos. Mas você não pode ouvir dois minutos de música sem um ataque de tosse em stacatto. Deviam distribuir vidrinhos de melagrião na entrada. Sem falar naquelas trovoadas de nariz no lenço, tipo Família Adams, bem na hora do pianissimo. Se o sujeito está gripado, que fique em casa.
Achei graça. Ele perguntou se eu gostava de música erudita. Expliquei que jamais consegui ler e escrever ouvindo música. Como por força da profissão leio e escrevo o dia inteiro, a música na minha vida acabou se refugiando nos blues e no jazz com cerveja, mais para conversar que para ouvir. Relutante, contei que décadas atrás estudei alguma coisa de música e cheguei a freqüentar concertos. Quase disse que gostava de Bach, mas temi não ter armas para sustentar uma conversa a respeito. Matozo me olhou, atento, avaliando se eu ainda teria solução. Decidiu que sim.
Pois vamos no Guairão uma noite dessas, quando tiver uma coisa boa. Mas prometa que vai deixar o celular em casa. Você não vai acreditar: os gajos ficam trocando torpedo durante o concerto! Cara, só matando, aqueles bip-bip toda hora enfiou a cara no gabinete aberto do PC, conferiu a máquina e ergueu a cabeça: E não só torpedo. De repente toca um celular com o hino do Coxa, no meio da Nona Sinfonia, que você já estava ouvindo com dificuldade porque as senhoras emperiquitadas na fila de trás ficam falando sem parar. Cara, música ao vivo é para escutar com devoção! e sacudia a chave de fenda diante de mim.
Agora, tem uma condição: para ouvir música clássica, deixe os filhos em casa. Para o bem deles e nosso. Me diga, sinceramente: uma criança consegue acompanhar uma peça de Brahms, do começo ao fim, sem se aporrinhar e encher o saco dos outros? Agora virou tudo politicamente correto levar filho pra concerto com um saco de pipocas na mão. É a tal cultura popular. Parece que não existe mais mundo adulto.
Serviço feito, fechou o gabinete do PC e ligou o computador, que ficou ótimo. E esqueceu de cobrar a mão-de-obra, no entusiasmo da peroração. "Depois te trago de presente uma gravação maravilhosa do Berstein, com a Filarmônica de Viena. Garantida contra tosse!" Pois até deu vontade de ir a um concerto, só para conferir.
Cristovão Tezza é escritor.
Deixe sua opinião