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Estou em plena fase filosófica da minha vida, por assim dizer. Na verdade, é uma longa história, que começou nos idos do Colégio Estadual do Paraná, final dos anos 1960, quando entrei em contato com os diálogos de Platão e com a figura de Sócrates, nas aulas de filosofia do professor Osvaldo Arns, com quem também aprendi a cantar as preposições latinas. Dizer que líamos Platão no segundo grau parece um exagero metido a besta, vontade de aparecer do cronista, mas é uma incrível verdade. A turma chegou a participar de um julgamento simulado de Sócrates no Salão Nobre do colégio, com pompa e circunstância. Melhor não revelar que condenamos o filósofo por quatro a três – tive a sorte de contar, como parceiro de acusação, com o histrionismo convincente do então já ótimo ator Ariel Coelho, meu colega de sala. Com uma pitada de retórica e outra de sofisma, defendemos que Sócrates era declaradamente um inimigo do Estado, e que o Tribunal é uma instituição de defesa do Estado e da ordem pública. Como há 2.500 anos, deu no que deu.

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Lendo recentemente o clássico O julgamento de Sócrates, de I. F. Stone (Companhia das Letras), percebi que a solução escolar em que nas nossas mãos irresponsáveis desembocou o gênio grego não foi afinal tão disparatada – Stone mostra como Sócrates (ou Platão, pela sua boca), desprezava profundamente o conceito de democracia e sempre defendeu soluções políticas tirânicas para os problemas de seu tempo. A democracia ateniense deu o troco, condenando-o a beber cicuta. Bem, não importa – guardei daquele tempo o valor da filosofia para pensar o mundo, mas de fato vivi décadas sem "conhecer a mim mesmo", como queria Sócrates. Ao contrário, passei a vida vasculhando o mundo e os outros com as minhas armas mais ou menos letradas, mas reservei uma longa e conveniente trégua a mim mesmo.

Agora as coisas estão mudando. Estou muito interessado em me conhecer mais a fundo, embora não exatamente no sentido filosófico. Alguma coisa mais concreta. Tudo começou com uma desobediência. Minha mãe, que está chegando aos 90 anos com uma implacável lucidez, sempre me aconselhou a não ir aos médicos, porque fatalmente eles encontram alguma coisa. Teimoso, resolvi a essa altura da vida fazer enfim um check-up, curioso por saber afinal qual o meu tipo sanguíneo. Pois bem, abri meu hemograma com a atenção e o cuidado com que se costuma enfrentar um parágrafo de Heiddeger. O ser e o tempo estão naqueles números e tabelas. As notícias não são boas. O colesterol – uma categoria mais perigosa que a célebre "coisa em si", de Kant – está lá em cima. Em outra ponta, a dialética dos triglicerídeos conspira contra mim. De repente, todos os prazeres da mesa caíram em desgraça, e um certo espírito de hospital ronda os talheres. Enfim, eu devia ter levado mais a sério, e de forma menos abstrata, o conselho de Sócrates.

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