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Sempre defendi a internet. Gosto de traquitanas tecnológicas, que (confesso) acabam por me encantar talvez mais pelo aspecto lúdico do que eventualmente pela utilidade. A genialidade de Bill Gates, o criador do Windows, não foi tanto a de inventar alguma coisa nova. Na verdade, não inventou quase nada – o Windows começou como um programa que funcionava sobre um sistema operacional criado e cedido pela IBM (o velho "DOS", para quem é do meu tempo). A então gigante da informática decidiu, num momento solene, que essa história de cada um ter um computador em casa era uma ideia ridícula e sem futuro. Nesse vácuo, Bill Gates intuiu a atração irresistível que aquele brinquedinho de ícones (aliás, copiado da Macintosh) exerceria sobre uma geração de marmanjos já prontos para assumir o império do indivíduo, a marca do cidadão contemporâneo. Um trabalho com jeito de brinquedo – parece mais uma sacada publicitária que uma invenção tecnológica.

Tudo estava pronto. Como a reprimida geração dos anos 1960 fermentou a cultura de que os filhos têm mais direitos que os pais, sair daquela caretice da sala de estar, a família socializada em torno de uma televisão comandada pelos adultos (com a incrível opção de três ou quatro canais), e se refugiar solitário num quarto de porta fechada com um monitor exclusivo plugado no mundo acabou por se revelar uma passagem tranquila, já culturalmente pavimentada. Com o crescimento das classes médias, o barateamento das máquinas (mesmo atrapalhado pelo desastre da reserva de mercado que travou por duas décadas o avanço da informática no Brasil) e o salto da rede mundial ao sabor da banda larga, o mundo experimenta – vai o lugar-comum inevitável – uma revolução de costumes com efeitos devastadores (pelo seu alcance, não necessariamente pelos seus defeitos) na vida das pessoas, do balcão do banco ao exercício da memória. As relações puramente abstratas entre as pessoas, que a própria geometria urbana já prometia há um século, agora chegaram ao paroxismo, até porque toda proximidade física (janelas fechadas e vidros fumê nos carros) é ameaçadora.

O impulso irresistível de sempre é gritar que esse mundo está perdido – como devem ter dito quando alguém apresentou o projeto da roda, séculos atrás. Mas penso que não. Há um detalhe positivo fundamental da internet, que vem junto com o acesso praticamente irrestrito à informação (para quem domina o meio): ela nos devolveu a palavra escrita, que estava sendo completamente esquecida com o avanço da televisão. A TV, como sabemos, é um espaço em que só cabe a oralidade selvagem – bastam alguns minutos de Faustão, Silvio Santos ou Big Brother, para comprovar. Já a internet se escreve – ela é um perpétuo palimpsesto. O ato de ler e escrever passou a ser percebido, de novo, como um alto valor social, e a médio prazo (sou otimista) isso terá consequências poderosas.

Cristovão Tezza é escritor.

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