Piratas são figuras míticas do nosso imaginário. Por uma discreta trapaça de sentimentos, substituímos a figura sanguinária que não respeita ninguém pelo líder solitário e vingador que faz justiça por conta própria num mundo que nos parece injusto. Há na imagem um toque messiânico Lampião e Che Guevara habitam mundos paralelos, em que a ideologia é apenas um detalhe, porque os efeitos são semelhantes. Por ironia, Che, que assinava o dinheiro de Cuba do tempo em que foi presidente da Casa da Moeda, estampa hoje as bandeiras das torcidas organizadas, e Lampião é figura tratada carinhosamente na imaginação brasileira.
No mundo pós-muro de Berlim, que foi se definindo pela invasão da internet em todas as esferas da vida, os piratas ideológicos estão sendo trocados pelos simplesmente comerciais, de um lado, e, à falta de um nome melhor, pelos piratas culturais, de outro. Um computador caseiro são cinco milhões de prensas de Gutenberg. O poeta Hans Magnus Enzensberger dizia, nos anos 1970, que o xerox acabaria com o império soviético, uma metáfora maravilhosa. Pois hoje a transmissão de arquivos digitais está tendo um efeito semelhante, e devastador, sobre um modelo de produção e distribuição de conhecimento baseado ainda no balcão da lojinha.
Voltemos aos piratas, agora dividindo as águas a fronteira simples entre o crime e a transgressão indefinida, para tentar entender o que está acontecendo. Uma coisa é replicar DVDs numa garagem subsidiada pelas máfias da economia subterrânea, distribuí-los entre os lúmpens do sistema de produção, que o venderão nas esquinas às classes C e D por três reais. Outra coisa é o cidadão integrado ao sistema (emprego, salário, imposto, escola, internet) baixar um filme, um livro ou um disco pela internet. São bilhões de fragmentos (os "bit-torrents") sendo trocados por segundo numa teia universal, que se consubstanciam no que o freguês quiser como o episódio de House que passou ontem nos Estados Unidos e hoje pode ser visto aqui numa tevê com entrada de pendrive, ou mesmo livros, um assunto candente agora que os livros eletrônicos começam enfim a se viabilizar.
Há tentativas de reverter a onda alguns países da Europa ensaiam cortar o acesso à banda larga de usuários de programas "torrents", uma opção juridicamente insustentável. O fato é que jamais se vivenciou tamanha troca de bens culturais, acontecendo indiferente ao mundo da lei. A tecnologia digital implantou uma cultura da velocidade e da ubiquidade, um rolo compressor sobre o tempo, que os jurássicos sistemas de produção e distribuição de bens são incapazes de acompanhar. "Indiferente ao mundo legal" é dizer pouco; a não ser que voltemos a algum pesadelo totalitário que transforme cada computador caseiro num espião do Estado, já agora um Estado supranacional (ou seria inútil), esse fato será consumado mesmo.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink
Deixe sua opinião