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Cristovão Tezza

De volta à praia

 | Ilustração: Gilberto Yamamoto
(Foto: Ilustração: Gilberto Yamamoto)

Semana passada tirei um bom descanso na praia, para rever meu amigo lagarto, que desta vez não apareceu, certamente atrás de alimento mais fácil, este ser pré-histórico corrompido pelas facilidades da civilização semiurbana que se encontra aqui embaixo. O balneário estava vazio, mesmo com o feriado no meio da semana, prometendo uma bela enforcada. Acho que o terrorismo meteorológico espantou os semituristas – lá na orla, tudo é pela metade. A verdade é que fez alguns belos dias, com muito sol, e duas noites de chuva, boas para dormir.

De angustiante, a sensação de insegurança, a mesma de sempre – todas as casas da vizinhança já foram assaltadas; aqui vidros quebrados, ali buracos no telhado, acolá portas arrombadas, numa guerrilha delinquente que se espraia. Do nada, surge alguém batendo palmas e tentando o velho golpe de "enteirar" a passagem para algum lugar, e a paranoia já não sabe se é só um rapaz perdido ou alguém fazendo varredura da casa aberta para voltar depois. O mais próspero empreendimento do país é o da segurança privada, à qual se chega por etapas, trocando a fechadura, erguendo o muro, botando grade, cerca elétrica e, finalmente, na desistência final, o alarme monitorado. A utopia de alguma vida em comum ficou para nunca mais.

Ao pensar sobre o que está acontecendo, o mais difícil é fugir da reação puramente emocional e do instinto assassino que repousa secreto em cada cabeça. Será que é um exagero nosso, impressionados pelo noticiário pontual de um e outro caso bárbaro? Antes fosse – mas as estatísticas não ajudam. O Brasil de fato está entre os piores índices do mundo na área da violência. Não é exclusivamente um fracasso da segurança pública, ainda que a corrupção da polícia seja um dos pontos centrais da insegurança brasileira. Mas nenhuma sociedade pode viver em paz somente à custa da polícia; é preciso mais alguma coisa. Também não é a miséria, o motor dos movimentos sociais que explodiram com a Revolução Industrial; nossos mendigos têm sido mais vítimas que outra coisa, queimados em bancos de praça. A droga, com certeza, é responsável por boa parte da violência urbana, mas ela existe no mundo inteiro com consequências não tão terríveis como as nossas.

O fracasso é entranhadamente cultural. Nos últimos 50 anos, ponha-se no liquidificador uma urbanização devastadora, uma ditadura militar estúpida, uma esquerda do século 19, um estamento político quase sempre corrupto e ignorante (com poucas ilhas de exceção), a destruição do ensino fundamental público e, para coroar o milagre brasileiro, o projeto universal de que todos tenham todos os direitos do mundo e nenhuma responsabilidade sobre nada, que é o DNA do Brasil atual. Um projeto tão bem sucedido que hoje está arraigado na cabeça de cada criança e adulto do país, de qualquer classe social.

Acho que é a proximidade do inverno que está me deixando pessimista.

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