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Cristovão Tezza

Dom ou técnica?

Às vezes me perguntam se escrever literatura é um "dom" ou uma "técnica" – em suma, se alguém de fato pode aprender a escrever poemas, contos, romances, ou se isso é uma qualidade inata. A mesma pergunta poderia ser feita para qualquer atividade artística – música, pintura, dança, teatro etc. Como cada coisa é uma coisa, é melhor não generalizar. Começo falando de mim e da minha relação com a música, para dar um exemplo extremo. Costumo dizer que não tenho ouvido; tenho orelha. Qualquer tentativa minha de aprender música teve conseqüências patéticas. Para o bem da humanidade e felicidade dos vizinhos, já de pequeno abandonei minhas pretensões no ramo. Sempre me senti o Bolinha naquela célebre aula de violino. O que não me impede de admirar e ouvir música e até de ter o meu quadro de preferências, o que, imagino esperançosamente, sempre exige alguma sensibilidade na área.

Ao mesmo tempo, admiro aqueles que podemos chamar de "músicos natos"; artistas que com uma caixa de fósforos na mão e um assobio fazem milagres de melodia com arte e engenho. A história da música popular está cheia de artistas extraordinários que jamais estudaram teoria musical.

Tudo são meras impressões de cronista – os especialistas saberão certamente precisar melhor como funciona essa máquina de talentos. O caso da literatura é diferente. Se não é qualquer um que pode dominar bem um instrumento musical, na literatura qualquer pessoa, por princípio e capacidade neurológica, aprende perfeitamente a ler a escrever, desde que seja normalmente educada e estimulada para isso – e ler e escrever são a matéria-prima da literatura. Assim, todas as pessoas estão potencialmente muito próximas da literatura – passamos a vida ouvindo e contando histórias, dizendo e repetindo poesias. Assim, na literatura, todos, por princípio, têm o seu "dom" e a sua "técnica". É verdade que é preciso ter alguma inclinação inicial, sempre misteriosa – mas a questão central está em outra parte: é a vontade, ou o desejo, de escrever. Para quem não quer ser apenas um diletante, o desejo de escrever é uma aposta quase que sem volta que acaba por "escrever" o escritor.

Lembro do famigerado "exame de admissão" de antigamente, a foice que ceifava a metade das crianças brasileiras já no quarto ano primário para que avançassem ao ginásio ou, digamos, voltassem para a roça. Pois levei pau na prova eliminatória – prova de redação! Tive de fazer o vexaminoso "quinto ano" no Grupo Escolar Zacarias, horário do meio, de "recuperação", das 10h30 às 14h30, para tentar outra chance, numa turma de barbados irrecuperáveis e malandros em geral. A crer no "dom", eu já estaria fadado à desgraça desde o início. A tal da "técnica", que se aprende, resolveu o problema básico – mas o escritor, mesmo, esse nasceu de uma decisão pessoal que tomei lá pelos meus 15 anos e por ela dirigi minha vida.

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