Nas eleições, como na guerra, a primeira vítima é a verdade. O governo mente muito, o tempo todo. Há uma estridência na mentira, que é martelada com sangue e fúria diante da simples realidade. O eleitor é um ser estúpido que, a qualquer preço, deve ser achatado e convencido. Dará certo? Ao fim, paradoxalmente, os votos quase sempre acompanham o espírito do tempo, que fala baixo, mas está em toda parte. O eleitor ouve pela metade a decisão do voto é um gesto holístico, que se faz por um desejo simbólico de futuro e por um jogo intuitivo de compensações.
Há tempos não víamos uma eleição tão dramática, com a morte de Eduardo Campos. Ele parecia um freio de estabilização num panorama surreal em que justamente os campeões de voto de suas respectivas correntes Lula, Serra e Marina estavam à margem da disputa. A tragédia de agosto, num revirar do destino, recolocou as coisas em seu lugar: Dilma reduziu-se à máquina do PT, de onde tenta se erguer a porretadas; Aécio esvaziou-se, e o poderoso espírito da oposição, que há tempos soprava pelo país como um fantasma atrás de uma referência, encontrou Marina. Como todo mundo, não sei quem vai ganhar as eleições talvez Marina, pela igualdade de tempo de que vai dispor no segundo turno, se ela chegar lá, mas deixo o prognóstico aos especialistas. Minha previsão é só vício de ficcionista, para fechar a narrativa.
A cada geração de brasileiros cresce um novo horizonte de expectativas, que sempre surpreende o poder, a boca torta pelo velho cachimbo. Como o cachimbo do PSDB, um partido que há anos joga fora seu patrimônio por aceitar a simplificação mental, sempre eficaz, de Lula: abraçado sorridente com Maluf, Collor e Sarney, Lula criou o "satânico FHC", uma espécie de Trotski do PT, o mantra das assembleias furibundas de punho erguido contra o inimigo mítico. A imagem sinistra teve tanta eficiência que o próprio PSDB caiu nela. Mas agora o cachimbo do PT perdeu seu demônio de estimação. É preciso ressuscitá-lo Aécio virou "companheiro" e, para o presidente do PT, Rui Falcão, Marina é um "FHC de saias". Mas, para José Dirceu, o ideólogo da práxis petista, Marina é "Lula de saias".
Faz mais sentido: a força de Marina está no seu valor simbólico. O Brasil subterrâneo que veio à tona desde o Plano Real e que vem ocupando a vida do país encontrou nela o seu espelho multifacetado uma mestiçagem brasileira de sonhos, cruzamento de culturas periféricas e religiões, misticismo popular, puritanismo moral, utopias ecológicas, impulso globalizante, tudo mesclado com pragmatismo econômico. É difícil enfrentar um símbolo que se cristaliza. Tentar destruí-lo a marretadas, com mentiras grotescas que idiotizam o eleitor e com a retórica obsoleta dos anos 60, acaba também por agredir o sonho coletivo que o criou, num efeito contrário.
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