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Se não fosse escritor, queria ser fotógrafo. É um desejo de infância que começou ao ver a projeção primária de um fotograma catado no lixo do cine Tamoyo da minha cidade natal – uma lanterna, uma caixa de sapatos, duas lentes enjambradas num tubinho de matéria plástica, como se dizia então, e lá estava um borrão na parede reproduzindo alguma coisa que existia, de fato, em outra parte – o que eu via era um fantasma. Reproduzir o mundo, colocá-lo sob moldura e controle, fixar o tempo – parece que tentamos fazer isso o tempo todo, mas a fotografia dá a ilusão completa desse poder. É ao mesmo tempo uma ciência, uma arte, um jogo, um brinquedo.

Alguns anos mais tarde, resolvi aprender fotografia. Comecei encomendando um curso por correspondência – muito antes da internet eu já era fascinado pelas compras a distância. Não foi uma boa experiência. Ávido por dominar a arte, abri afoitamente um envelope lacrado com o que, imaginei, seriam as instruções – e em pouco tempo vi aquelas folhas brancas acetinadas ficarem pretas diante dos meus olhos e se estragarem para sempre. Não desisti. Comprei livros e aprendi dois macetes de enquadramento que uso até hoje. Para ser sincero, todo o meu saber na área se resume a esses dois macetes. Bem aplicados, fazem grande efeito. Desde que você siga a regra de ouro: de cada 20 fotos mostre apenas uma, a melhor, aos outros. Esconda as 19 restantes. Todos ficam mais felizes. Já sofri muito com relatos de viagens maravilhosas acompanhados de 250 fotografias, explicadas uma a uma.

Comecei com aquelas máquinas automáticas anunciadas há um século na publicidade clássica: "Você aperta o botão o nós fazemos o resto!" Fui apertando o botão pela vida afora. Às vezes, mesquinho, gostaria de ter de volta todo o dinheiro que queimei em revelação. Mas não me arrependo. A fotografia educa o olhar; na verdade, obriga-nos a olhar para o mundo e para os outros. Olhar e ver, de fato, o que está diante dos olhos. Um bom enquadramento nos dá senso de medida e de equilíbrio, vai direto ao ponto, é capaz de contar uma história, exige uma resposta, ilumina e revela o que ninguém vê. E também distrai, que ninguém é de ferro. Andar sozinho por uma cidade estranha – o que fiz muitas vezes na vida – com uma máquina fotográfica de companhia é uma experiência maravilhosa.

O advento da foto digital me afastou da fotografia – ficou tudo tão fácil que o ato de fotografar perdeu seu ritual; literalmente, as fotos não valem nada. Tiram-se fotos ao acaso, que são apagadas em seguida. Tudo é mais rápido, fragmentário e desconcentrado – o olhar se descuida e o mundo se banaliza. Mas agora estou redescobrindo esse prazer, porque o que importa mesmo é o nosso olhar. Ninguém tem o poder de ver o mundo pela gente. E com os arquivos digitais, infinitamente mais baratos, pelo menos não corremos mais o risco de queimar o filme.

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