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Cristovão Tezza

Fragmentos de um diário da China

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O primeiro choque para quem sai do Brasil e vem à China são os aeroportos. Primeiro, os escombros patéticos de Guarulhos, com multidões trombando em toda parte atrás de algum espaço, informação ou conforto, dando a impressão de um aeroporto no último limite de sua capacidade operacional – chegando de Curitiba, esperei 30 minutos, com o avião parado, até que aparecesse uma escada que nos descesse a um único ônibus, onde coube um terço dos passageiros; os outros que aguardassem o próximo para chegar ao terminal de desembarque. Depois, em Paris, o deslumbre impressionante do Charles de Gaulle, indicando até pelo silêncio dos ambientes que falta muito, mas muito mesmo, para a Europa se curvar ao Brasil, como sonha nossa história pitoresca. E, enfim – a viagem mais longa do mundo –, desço na imponência igualmente humilhante do gigantesco aeroporto de Pequim.

Estou de cabeça para baixo, aqui no outro lado do globo, com fuso horário transtornado. Enquanto escrevo, são 6 horas da manhã de segunda, mas aí, desgraçadamente, o Atlético acaba neste minuto de perder do Paraná por 4 a 0. Ainda bem que, para sofrer bem longe minha derrota, estou na China – na China comunista, mas, exceto pela onipresença de chineses, poderia estar em qualquer megalópole do mundo. Saindo do aeroporto, um mar de carros de último tipo avança lento por uma autoestrada de cinco pistas. Está frio lá fora, e um horizonte de árvores secas margeia a estrada.

Começo a sentir a célebre poluição de Pequim, uma cidade construída, destruída e reconstruída, em ritmo de terra arrasada, à margem do Deserto de Gobi. Quando me diziam, achava que era exagero, mas não é – os olhos vão se marejando neste ar pesado, a garganta seca. Começam a aparecer os prédios, em profusão – e, exceto pelos caracteres chineses de outdoors, até aqui nada indica que estamos nem no mítico Oriente, nem no que ainda poderia ser considerada a grande vitrine comunista do mundo. Às 3 da tarde, pode-se olhar sem medo diretamente o sol, que ao ritmo do carro vai dando um toque de cenário pintado àquele impressionante recorte urbano. Sob a densidade cinza da poluição, o sol é uma gema fuliginosa equilibrando-se amarela sobre um céu em ruínas.

No hotel, estou num centro de edifícios modernos e grandes avenidas. Na paisagem ainda escura, carros a distância parecem andar em câmera lenta. O dia amanhecendo, ainda luto para adaptar a alma ao novo relógio. Entre o prédio impactante da Televisão Central da China (CCTV), com seus ângulos inclinados de vidro, e uma enorme torre comercial, cujas faces espelham uma cidade trêmula, vejo ao longe uma clássica chaminé de fábrica despejando fumaça aos céus – é o encontro da Londres de Charles Dickens, movida a carvão, com o admirável mundo novo made in China. O império milenar que reinventou o comunismo ao redescobrir o capitalismo.

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