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Uma das delícias da minha vida de autoaposentado é ler a pilha de livros que há anos aqui em casa esperam um tempo livre. O tempo continua curto, mas já consigo administrá-lo melhor. Agora encarei um conjunto de obras do historiador Eric Hobsbawm. Comecei por A era das revoluções, em torno do eixo da revolução industrial e da revolução francesa, e avancei ao segundo volume, A era do capital (1848-1875), o momento em que a emergência do dinheiro enfim globalizou a Terra. Praticamente tudo que acontece no mundo hoje tem suas raízes na expansão do capital do século 19.

Hobsbawm, de quem já se disse ser um "marxista atávico", é antes de tudo um narrador maravilhoso que amarra pontas econômicas, sociais e culturais de modo a dar um sentido possível ao caos dos fatos que se amontoam na história. Com ironia inglesa, começa o livro advertindo-nos de que ele odeia o período de que vai falar, a ascensão do capital – e aqui o "atávico" faz sentido. Ao mesmo tempo, tudo que define a civilização ocidental, do fim da escravidão ao advento do iPad, ao fim e ao cabo derivaram da máquina do capital – o lado "bom", se é que há bondade nessa história. De terrível, a expansão imperial do Ocidente, cuja infinita superioridade tecnológica funcionou como um trator aonde quer que chegasse.

Por acaso, esbarrei no capítulo "Perdedores", em que o Egito é citado, ao lado da China: "Ambos eram Estados independentes com base em antigas civilizações numa cultura não europeia, minados pela penetração do comércio e das finanças ocidentais (...) e sem capacidade pra resistir às forças militares e navais do Ocidente". Em consequência, os governos locais "começaram a se desintegrar diante do impacto ocidental". No século 19, não havia opção senão ficar sob controle direto ou indireto dos conquistadores. O próprio Hobsbawm nasceu no Egito, em 1917, fazendo dele mesmo a prova viva de sua tese.

O problema (e para o capital, tratava-se de "solução") é que a ocidentalização exerce um fascínio que transforma para sempre o povo conquistado, dos espelhinhos distribuídos aos índios, no século 16, às metralhadores contrabandeadas para facções africanas, no século 20. A passagem cultural para o Ocidente costuma ser um pacote completo e uma viagem sem volta – o que eventualmente derruba ditaduras e arma o milenarismo religioso.

Se os 30 anos de Mubarak estabilizaram a dependência mútua da ditadura e do Ocidente, a revolução das ruas que explode agora pode ser vista, novamente, como um mundo que se desintegra pelo mesmo impacto ocidental – agora da internet, da revolução da informação, da distância entre uma estrutura obsoleta de poder e as exigências irreversíveis dos novos tempos. Sim, há a sombra política da Irmandade Muçulmana, mas não parece claro ainda que ela vá repetir no Egito a regressão iraniana que se seguiu à queda do Xá.

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