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Por acaso, já fiz um tour por parte substancial do museu de cera da esquerda mundial. Em 2000, em Moscou, visitei a cripta onde está exposto Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido por Lênin. Entrei na fila da maravilhosa Praça Vermelha, no paredão frontal do Kremlin. Os guardas, de pouco humor, faziam uma revista severa – era proibido levar máquina fotográfica. Tive de voltar correndo ao hotel, que era próximo, largar a máquina e retornar à fila – não perderia Lênin por nada.

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A fila andava rápido, e a visita inteira tinha um ar de descida às catacumbas. Entrei num corredor estreito, baixo e escuro; ao fundo, virei à direita, num breve e sombrio labirinto, e de novo à direita, onde vi, bastante próxima, a múmia de Lênin, preservada sob uma campânula de vidro, num velório perpétuo. O terno preto parecia pobre e gasto, e a pele do rosto luzia artificial sob a única fonte de luz do túmulo. Repetidas ordens, sempre de pouco humor, lembravam que era proibido parar. Vi um russo fazer, contrito, o sinal da cruz diante do maior ídolo do comunismo do século 20. Seguindo a fila, dei a volta pelos pés de Lênin, entrei em outro longo corredor escuro e saí para a luz do sol.

No ano passado, na China, visitei a múmia de Mao, na igualmente impressionante Praça da Paz Celestial, debaixo da neve de uma manhã gelada. Do mesmo modo, guardas sem humor controlam a fila de visitantes, mas a inspeção foi muito mais rigososa, com máquinas de raio-x e revistas pessoais com detectores de metal. Também há ordens expressas, sempre gritadas, de que é proibido parar.

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Mas, ao contrário da cripta medieval de Lênin, que lembra uma hagiografia do cristianismo primitivo, seguindo atavicamente uma vertente profunda da religiosidade russa, o mausoléu de Mao tem outro espírito – o cenário é de uma monumentalidade imperial e triunfante. No centro do salão imenso, o pé direito de perder de vista, sobre um pedestal inclinado, rodeado de gigantescas coroas de flores de cores berrantes, sob o domínio onipresente do vermelho, jaz o corpo do Grande Timoneiro. A fila passa longe, e rápida, desembocando numa feira de barraquinhas onde se negociam animadamente suvenires de Mao de todo tipo, preço e tamanho.

O culto às múmias talvez seja um dos aspectos mais grotescos de máquinas de Estado que aspiram à eternidade dispensando a metafísica nossa de todo dia. O governante, sacralizado, confundindo-se à força com a própria nação, não permite outra postura senão a adoração perpétua, que é garantida à bala. Ao fim e ao cabo, trata-se apenas de manter o controle do bom e velho poder.

Fico pensando nos eternos equivalentes tropicais. A Venezuela acaba de criar o governante fantasma, para a glória maior do bolivarianismo. Quanto a Cuba, el Comandante, que destruiu o país para salvá-lo, terá por certo ainda uma longa vida, assim na Terra como no Céu.