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Cristovão Tezza

Na trave

Enfim começou de vez o futebol do ano. Ou o exercício de masoquismo, já que, como todos sabemos, somos torcedores para curtir o sofrimento, que para a maioria é longo e demorado, enquanto os momentos de festa são explosões de curta duração. Bem, os 3 a 0 da garotada do Atlético contra a garotada do Coxa foi relaxante para os atleticanos aqui de casa, é verdade. Eu queria me afastar um bom tempo do tema desde a selvageria das arquibancadas de Joinville – para que sou torcedor? –, mas a paixão voltou, torcendo para que as coisas se acalmassem. Eu sinto o futebol como algo mais que apenas um jogo. Preciso dele – tornei-me um dependente emocional. Mas no Brasil inteiro o ano futebolístico começou melado, complicado, confuso, uma sequência de castigos.

Quando Curitiba foi escolhida para sediar a Copa, imaginei que aqui tudo ficaria pronto antes, com a metade do estádio já erguida; e as melhorias da cidade, do aeroporto às vias de acesso, iriam brilhar. Não só não está nada pronto, como seremos os últimos, num imbróglio de histórias mal contadas; e as tais obras da Copa representam apenas um rio de dinheiro suado jogado fora. Neste Brasil de infraestrutura arruinada, a construção acintosa destes cogumelos gigantes dá a medida de uma trágica miopia nacional.

Mas vou mudar de assunto: vamos ficar só entre as quatro linhas, o futebol na veia. Bem, depois da espetacular reação do ano passado, o Atlético Paranaense seguiu à risca o seu roteiro de costume: demitiu o técnico, destroçou o plantel, chamou técnicos exóticos para o time aparecer na imprensa nacional antes mesmo do apito do juiz, e começou aos tropeços de sempre, até que os 3 a 0 do Atletiba de domingo deram um respiro. Tudo bem sobre a gurizada que enfrenta o Campeonato Paranaense – é um bom celeiro de maturação de craques, num torneio sem expressão (desde, é claro, que não caia na segundona).

O engraçado é que o time principal também é um sub-23; e, sem jogar, já se viu jogado na Libertadores. Favas contadas: só o Sporting Cristal para passar a fronteira. Uma equipe, aliás, que não joga nada: chutão para a frente e para o alto, correria e pancadaria. Pois lá nos deram de 2 a 1 – e poderia ser mais. Quem não jogou nada mesmo foi o Atlético. Aqui – bem, aqui foi uma das partidas mais emocionantes e surreais da minha vida. Inesquecível. Se fosse ficção, seria inverossímil. O que prova que não há nenhuma relação obrigatória entre grandes partidas e bom futebol. Um time aos pedaços, às vezes sem pé nem cabeça (principalmente sem cabeça, mesmo com ótimos jogadores), fazendo o jogo do inimigo, incapaz de pôr a bola no chão. Eram chutões em busca de um milagre, e conseguiu-se um, dois, três milagres, torturando o torcedor com requintes de crueldade. No último chute deles, a pá de cal do jogo, rezei contrito: "Na trave!" Desta vez deu certo – passamos! Que venham mais milagres.

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