Escrevo esta crônica em Lyon, na França, onde participo do Festival itinerante Belles Latinas, que reúne todos os anos escritores latino-americanos em várias cidades do país para encontros com o público francês e com estudantes universitários. O primeiro impacto deste choque cultural é a percepção de que escritores argentinos, chilenos, colombianos e mexicanos vivem uma urgência política que no Brasil só se vê em reuniões partidárias em vésperas de eleição. Parece que súbito todos vão pegar em armas e começar uma nova "Revolución". Fala-se quase nada de literatura, mas muito de Pinochet, Chávez, Kirchner, Uribe e quase sempre bem de Lula, considerado uma espécie original de "bom imperialista". É curiosa essa obsessão política. Tenho uma certa dificuldade para carregar o Brasil nas costas todo o tempo. De vez em quando sim, como um eleitor normal, mas o tempo todo cansa não sou um missionário.
Bem, por aqui basta pronunciar o nome "Brasil" e todos os ouvintes sorriem. Não há apoio a institutos culturais brasileiros em lugar nenhum, que sobrevivem pela boa vontade de professores avulsos, sempre ao lado de bem aparelhados institutos portugueses. E no entanto, nos amam. Brasil? e lá vem uma ginga de carnaval, braços erguidos, para demonstrar o amor pelo meu país. (Eles não sabem que eu sou de Curitiba). Para a Europa, somos um inacreditável paraíso.
Não vou entrar nessa discussão. Fico com uma única observação, aliás de simples turista: o impressionante espaço público digo espaço físico mesmo, a cartografia da cidade que se reserva aqui em Lyon (como em Barcelona, na Espanha, de onde venho) ao pedestre, que é o rei das cidades europeias. Tudo é feito para ele imensos calçadões, praças generosas, amplos caminhos sob árvores, cafés e restaurantes. Certamente haverá pobreza por aqui, mas o fato concreto é que estou caminhando há dez dias e jamais me apareceu alguém pedindo esmola, oferecendo bugiganga ou me assaltando. Em lugar nenhum vi um guardador de carro. Nenhum carrinho se arrasta puxando lixo com uma criança no alto. Haverá um pouco disso por aqui, que não sou ingênuo, mas a estatística é eloquente.
E a comparação é dura: em nenhuma cidade média ou grande do Brasil um cidadão pode ficar sentado num banco de praça por mais de cinco minutos sem ser assediado. A ONU poderia criar um índice de qualidade humana a partir desse tempo de espera. Não há espaço público no Brasil como expressão da liberdade, do lazer ou do simples trânsito. Cidadãos integrados e excluídos disputam o mesmo espaço, desviando-se os primeiros dos segundos como artistas do andar rápido sem se deter, entricheirados em carros ou refugiados em centros comerciais. Os europeus acham graça da felicidade brasileira, que certamente é muita. Mas um país que nem sequer tem uma praça a oferecer a todos os seus habitantes vai muito mal.
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