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Cansado de acordar todos os dias abarrotado de sonhos – encontrando um tesouro e sendo preso por isso, caindo de um precipício, bebendo de um copo que se dissolve na sua mão, sendo eleito representante de classe sob uma aclamação entusiástica dos colegas, todos vestindo máscaras de palhaço –, ele decidiu procurar um médico que desse fim ao seu sofrimento: "Não quero mais sonhar, doutor. Por favor, libere as minhas noites desses filmes ruins e inacabados que sou obrigado a ver em 3D e com todos os efeitos reais que nem inventaram ainda. E quase sempre sou eu mesmo o ator principal".

O médico sorriu e, com seriedade profissional, explicou em detalhes o quão importantes são os sonhos. "O fato é que você só descansa, realmente, se sonhar. A ciência prova: se você for acordado cada vez que começar a sonhar, por mais que você durma, levantará da cama como se tivesse passado por um mês terrível de insônia. Você é obrigado a sonhar. É inescapável."

"Não é justo", ele contra-argumentou. "Gostaria de ter o direito de passar a noite em silêncio, sem a interferência de fantasmas, de duplos, de alçapões mentais. Eu queria ficar sozinho pelo menos durante o sono. Isso é grave? Há algum comprimido mata-sonhos?"

"É melhor não recorrer ainda aos comprimidos", disse o médico, e recomendou-o a mudar a dieta noturna e o horário de refeições: "À noite, evite pratos pantagruélicos, bebidas alcoólicas, costeladas, feijoadas. Experimente só um leitinho desnatado, quentinho, com bolacha, e vamos ver se faz diferença".

O homem voltou lá uma semana depois.

"É inútil, doutor. Está certo que os filmes – desculpe, os sonhos – ficaram mais suaves. Num deles eu cheguei a abraçar sorridente o primo Peçanha, que eu chamo secretamente de Peçonha, e no sonho éramos amigos de longa data. Ele nem se lembrava da garrafa que eu quebrei na cabeça dele, o que me deu um pouco de ansiedade e um certo sentimento de culpa ao acordar, como um sujeito de duas caras. Mas acordei aliviado, em paz. É o tal leitinho. Outros sonhos são apenas chatos, um coisa meio new age, crianças correndo em câmara lenta, aquela música nauseante de elevador. Num deles tinha um pôr do sol com anjos tocando trombeta. Não dá mesmo para não sonhar nada? Ficar só com a dura, velha e boa realidade?"

O médico tentou uma abordagem política: "Mas veja: sem os sonhos coletivos, o que seria do mundo? Os sonhos movem a história!" A reação foi imediata – o homem recuou em pânico: "Na Idade Média sonhavam com o paraíso, e queimavam gente para apressar o caminho. Sonhos coletivos, não, por favor, não! Lenin também sonhou com o paraíso, e poucos anos depois os russos tropeçavam em milhões de mortos". Suspirou: "O senhor não tem nada, assim, digamos, mais simplesmente realista?"

"Lamento", suspirou o médico. "A realidade anda em falta no mercado. Por enquanto, vá sonhando."

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