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Para mim, janeiro é mês de praia, quando sinto a nostalgia da infância e dos tempos em que era possível se viver em casas de quintal aberto. Aqui na fronteira seca entre Gaivotas e Caravelas, tomando alguns cuidados, ainda é possível. E nos fins de tarde ainda passa o carro anunciando pão caseiro, o que me leva aos anos 60 até pela antiga Kombi que avança devagar. Nas férias, tento me dedicar a não fazer absolutamente nada, buscando o nirvana nesta rede que mal balança, refugiada na sombra. Mas, desde que a civilização ocidental percebeu que tempo é dinheiro, a vagabundagem vem sempre carregada de um travo de culpa, mesmo nas férias. Descanso não é uma coisa simples. Exige técnica, atenção, preparo físico, desprendimento, alguma filosofia com toques de autoajuda e até mesmo horário. Descanso é uma miragem, para ir aos fatos, mas precisamos dele.

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Tenho me esforçado. Enquanto isso, retomei a maravilhosa biografia crítica de Dostoiévski (1821-1881), de Joseph Frank. Estou no terceiro volume, "Os anos milagrosos" (Edusp), em que o escritor, perambulando pela Suíça, Itália e Alemanha, impedido de voltar à Rússia porque seria preso por dívidas, com a mulher grávida novamente (a primeira filha morreu com três meses) e sofrendo surtos epiléticos, implorava adiantamento aos editores em cartas humilhantes. Frequentando mais as casas de penhor que as bibliotecas, e às vezes fugindo compulsivamente para os cassinos onde perdia o pouco que tinha, escreveu obras-primas como O idiota, O eterno marido e Os demônios, que enviava a Petersburgo em fascículos. Como se não bastasse, sentia um fio de inveja dos ricos barões da literatura russa, em dinheiro e em prestígio: Tolstói (que Dostoiévski admirava) e Turgueniev (que desprezava).

Enfim, por todos os motivos não posso reclamar da vida, no quintal da praia. E ainda tenho diante de mim os primeiros quatro volumes de A comédia humana (Globo), de Honoré de Balzac (1799-1850), que está sendo relançada numa belíssima coleção. Honoré Balzac, o francês plebeu que acrescentou um "de" para dar um toque nobre a si mesmo, também passou a vida sem dinheiro, mas deixou uma obra monumental que daria uma nova dimensão à literatura do século 19, com ressonância até nossos dias, da novela das 8 aos romances de Philip Roth.

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Quando fecho o livro, vejo o lagarto, que, vindo do nada, parece estar ali desde sempre, imóvel e mimético nas veredas do mato, arriscando-se ao ar aberto e ao alcance da presença humana, que ele faz questão de ignorar em sua imobilidade de pedra. Não sei se ele me vê, os olhos paralisados, mas posso sentir a máxima tensão sob a dura couraça pré-histórica. Enfim, encontro alguém mais desconfiado que eu. Sem respirar, faço um breve gesto que ele antecipa com um movimento elétrico de pescoço, que se incha de aflição: ele também não sabe descansar.