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Não, paciente leitor – o título não se refere ao pensamento sob efeito de drogas, como parece; o chapado vem de chapa mesmo, de dois únicos lados, um o oposto do outro, sem opção. Pois bem, vivemos num Brasil de pensamento chapado, o que não é exatamente uma novidade. O país, é claro, é incrivelmente multifacetado, mas anda em curso uma simplificação mental que precisa reduzi-lo a duas partes.

A minha geração sentiu na pele esse afunilamento moral, pelo advento da ditadura militar, num tempo em que não havia opção. Com os direitos individuais suspensos, as prisões arbitrárias, a ilegitimidade do poder, a violência de Estado, a censura da imprensa, não restava muita nuance a justificar. Aprendemos a viver em um mundo de certo e errado, de torturadores e vítimas. Havia uma prioridade ética que pairava sobre todos os projetos: a restauração do Estado de Direito, a partir da qual o país seria outro.

Corações e mentes se criaram por décadas nesta polarização simples e nítida: eles e nós. "Eles" eram os militares, a Arena, a polícia, o Dops, e todos os ministros e políticos que serviam felizes à ditadura. E "nós", quem éramos? Não sei – éramos uma massa amorfa que se movia em silêncio, aqui e ali se organizando politicamente, em outra parte pegando em armas (em um dos grandes erros políticos da nossa história), grande parte com um pé em cada margem, porque afinal todos precisam viver, não é assim? E o povão tocando o barco, como sempre.

O mundo mudou completamente, a grande polarização político-econômica do século 20, que alimentou a Guerra Fria, virou pó, o poético "foco guerrilheiro" se transformou em Al-Qaeda, a informática virou todas as relações sócioeconômicas e culturais do avesso, o Brasil vai completando o mais violento processo de urbanização da sua história – e a geração polarizada, de qualquer partido, chegou, enfim, ao poder. O mundo mudou, mas não a cabeça que, como a boca entortada pelo cachimbo, só consegue pensar em "nós" e "eles". É verdade que essa é uma técnica política velha como as pedras: nós somos a salvação e eles são a desgraça – portanto, votem em mim.

Nessa simplificação mental de palanque, "eles" são uma entidade diabólica, escondida insidiosamente atrás das portas, com braço de Obama, orelha de FHC, nariz de bruxa, bafo de "elite" – e "nós" somos difusamente o bigode do Sarney por aqui, as pedras de Ahmadinejad por lá, e no meio a torcida do Corinthians. O que impressiona é que, com o carisma do presidente a serviço de uma renitente fantasia política, o pensamento chapado acabou por ocupar todos os espaços de reflexão pública. Tenho a esperança de que a presidente Dilma devolva um mínimo de racionalidade e de complexidade ao debate brasileiro. Porque a sensação que se tem é de que, hoje, apenas o Estado pensa.

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