Nesta vida trepidante de cronista, de vez em quando levo um choque. Às vezes um tema que me parece interessante passa em branco, o que apenas prova a discreta alienação que pouco a pouco vai me envolvendo, junto com a surdez, esta inapelável com a idade. Outras vezes, nas crises de imaginação, quando recorro ao balaio da memória para contar um caso qualquer e vencer mais uma terça-feira, recebo contestações espetaculares, acusações em riste e para a alegria fugaz do cronista até mesmo pedidos de retomar o tema. Foi o que aconteceu com a crônica "Imigrantes" (publicada dia 23/8). Parece que pelo menos um trecho incomodou alguns leitores quando relato que, nos meus tempos de trabalhador ilegal na Alemanha, nos distantes anos 1970, eu nunca tinha visto um alemão "carregando um balde e uma vassoura".
Fiquei pensando: se eu dissesse "um sueco", "um francês", ou "um americano", a reação seria a mesma? Seremos os curitibanos alemães? O que daria uma ótima crônica, sonhei, esperançoso. Antes que se crie aqui uma absurda guerra étnica, explico: o que o texto deixava claro, mas que alguns leitores não perceberam (às vezes, em defesa de uma ideia prévia na cabeça, a gente acaba lendo o que não está escrito), é que eu me referia ao mundo do trabalho não especializado, que, em toda a Europa rica, está nas mãos dos imigrantes. Isso não é uma opinião; é um fato.
Pouco tempo depois da Grande Guerra, a Europa, a África e parte do Oriente periféricos passaram a abastecer a Europa ocidental rica que vivia um impressionante surto de prosperidade de mão de obra básica. Vocês sabem: o pessoal que carrega o balde e a vassoura. Para os pobres, era um ótimo negócio ganhavam em horas o que jamais sonhariam ganhar em meses em seus rincões natais. Para os ricos, tratava-se de uma solução maravilhosa, pois ao mesmo tempo em que começavam a enfrentar o fenômeno do desemprego do trabalho especializado, no alto da sociedade, precisavam desesperadamente de quem carregasse o piano, lá embaixo. Citei a Alemanha porque estive lá e conheci o sistema de perto; mas poderia perfeitamente lembrar a Inglaterra, a França, a Suécia.
O segundo fato é que essas levas de imigrantes quase nunca se integram aos países que os acolhem, e se constituem em bolsões isolados. É um fenômeno geral, mas que deve ser estudado caso a caso; há diferenças substanciais de políticas diante do imigrante de um país para outro. Em alguns, a regra é respeitar o isolamento, supostamente para não agredir as culturas nativas; em outros, como na França, o objetivo é forçar a integração por força de lei. E, em toda parte, o avanço muçulmano acrescentou um ingrediente cultural de tal dimensão que ameaça tornar o problema estritamente econômico uma questão menor.
Conclusão dessas premissas? Bem, isso tiramos por conta própria lendo o noticiário sobre os problemas da imigração na Europa.