Depois de quase cinco anos ininterruptos vivendo vida de cronista, toda terça-feira assinando o ponto na página 3, tirei um mês de férias para curtir a sensação de velha vida, a liberdade do silêncio, a opinião que não faz praça, o doce anonimato, a alegria do nada por fazer, o computador desligado, celular na gaveta, os prazeres tranquilos da cozinha, levantando tampa de panela os dias seriam domingos eternos, enfim!
Bem, como se dizia antigamente, qual nada! Descobri rapidinho que não existe "vida antiga" o tempo nos arremessa para o instante presente, com seu caminhão desconjuntado de coisas por fazer. Por exemplo: um mês inteiro para comprar uma nova poltrona de leitura, daquelas de espichar bem as pernas, mas como dá trabalho se mexer! Como é difícil ser objetivo nesta vida! Sair de casa com uma ideia fixa na cabeça e cumpri-la! Sim, mas então para que servem as férias, se temos de fazer um monte de coisas?
E a poltrona velha ainda não está tão ruim assim. O problema é a luminária implico com essa palavra, que não existia no meu tempo, quando tudo era ou "lustre" ou "abajur", e funcionava. Temperamental, ela só acende com um jeitinho no interruptor. A maleta de ferramentas ficou na praia, e, ora bolas, estou de férias!
Trinta dias de leituras, pelo menos! Também não exatamente como a gula era muita e a oferta tanta, acabei ciscando 20 livros diferentes sem terminar quase nenhum, avançando em bloco.
No subterrâneo da alma, o que me atormentava era a ideia estranha de "aproveitar as férias", como de uma traquitana que a gente compra e que deve ser usada, porque tem prazo de validade curtíssimo. "Vamos lá, cara, aproveite! Você não tem um minuto a perder! Não jogue fora seu descanso! Não fique aí quieto, como se não estivesse acontecendo nada!" E eu atarantado, ouvindo vozes: Um cinema? Um sorvete? Um livro? Uma soneca? Uma cerveja no boteco? Visitar o lagarto na praia? Claro, sempre contava com os jogos do Atlético, mas ver jogo não é descanso, é trabalho duro, o torcedor emagrece, cada passe errado um sofrimento. E o tempo passando, as férias voando!
Quem sabe viajar? Mas eu trabalho viajando férias para mim é ficar em casa. O pior são as notícias, insidiosas, puxando as férias pelo colarinho: só desgraça. E já perdi a inocência de leitor, a pura curiosidade dos fatos novos. Tudo que eu ouço e leio vira hipótese instantânea de crônica, gancho para mais trabalho: o Itaquerão caindo, o aumento do índice de analfabetos, o táxi de Curitiba como artigo de luxo, o tufão nas Filipinas. Quando o ministro do Supremo, como quem reclama dos azares do clima, disse que entendia o mensaleiro fujão, porque nossas cadeias são desumanas, quase interrompi as férias. O que faço agora, finalmente, aliviado chega de vagabundagem! Lugar de cronista é por escrito.