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Encontrei na Copa o refúgio para o vazio que me acontece sempre que termino um novo livro, a ressaca diante do futuro – sem mais razão para viver, inseguro do que escrevi e sem nenhum plano B, viro um zumbi de pijamas, rondando o fogão e conferindo panelas, assistindo à tevê, lendo cinco vezes a mesma página e acordando de madrugada para abrir a geladeira em busca de nada. A síndrome é grave. Felizmente, é o ano da Copa. Pressentindo uma maravilhosa válvula de escape, assinei todos os canais de esportes, me ajeitei no sofá e me entreguei à droga do futebol, direto na veia, 24 horas por dia. No momento em que o paciente leitor me lê, já acompanhei, vítima da própria vagabundagem, 46 jogos de futebol – e só não assisti a mais jogos pela coincidência de horários na última rodada classificatória; nesses casos, recorro aos "melhores momentos", de várias emissoras, com inesgotáveis comentários (mas não vejo os videoteipes completos dos jogos – quero me sentir sempre "ao vivo" em cena).

Há tantas repetições de lances, cenas e entrevistas, em todos os canais, que vivemos a sensação de que o tempo estaciona, derrapa, vai e volta, gira em seco, centenas de vezes, milhares de vezes, tentando preencher o vácuo até uma nova partida, quando o mundo enfim avança. Fui testemunha ocular da mordida do Vampiro de Montevidéu por todos os ângulos. Vi um atleta de Gana cheirar dinheiro como um corrupto de Brasília, e no entanto era dinheiro ganho literalmente com o suor do rosto. Trinta vezes a bola chilena bateu na salvadora trave brasileira. Trinta e uma, trinta e duas – não entra nunca, em qualquer ângulo. Somos invencíveis.

Leio todas as colunas e conheço todas as mesas-redondas à disposição na tevê; já sou íntimo dos comentaristas, capaz de prever o que este ou aquele vai dizer deste ou daquele lance. Gosto do estilo de um, a seriedade aristotélica das observações, desgosto de outro, o viés retranqueiro, acho graça de um terceiro, a implicância com o juiz, e assim por diante. A todo instante tento extrair uma filosofia edificante do meu próprio fanatismo, e não encontro nada que resista ao mais pálido escrutínio racional. Minha última conclusão, de própria lavra, foi uma pérola que me aconteceu e que vou mandar emoldurar aqui em casa: "O futebol é imperfeito como a vida".

Aliás, comprovei a tese vendo um único jogo ao vivo: Equador x Honduras, aqui na nossa gloriosa Arena da Baixada! Um jogo real é outra coisa, atrapalhado duramente pela realidade: pessoas se levantam, há sempre uma cabeça no meio do caminho, o lance foi lá no outro lado, basta um segundo e você só vê a festa do gol que escapou dos olhos. Outra pérola para as minhas paredes: "A vida não tem replay".

Crise de abstinência: vou ter de me aguentar. Serão dois dias sem jogos, até o escangalhado (mas valoroso!) time brasileiro enfrentar o organizado futebol de botão da Colômbia.

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