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Sou fascinado por supermercados – é outra revelação pessoal que conspira contra mim, vítima do oitavo pecado capital, o consumismo. Mas deixemos a sombra bíblica de lado para especular quem inventou o "conceito" de supermercado. Uma pesquisa rápida ao Google me daria a resposta, com certeza, mas às vezes gosto de me aventurar sozinho pelo bosque da ignorância só para ter a ilusão de alguns estalos e descobrir de novo a roda.

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O momento-chave, digamos assim, foi a ideia esdrúxula de que o freguês poderia ele mesmo ir pegando as mercadorias das prateleiras, em vez de esperar na fila do velho balcão que um funcionário pachorrento lhe trouxesse o quilo de arroz, a caixa de fósforos, o litro de leite, a lâmpada de 60 velas, uma coisa de cada vez. Nessa mudança simples de perspectiva concentra-se um mundo de transformações culturais, econômicas, sociais e políticas. A primeira delas é o princípio da não tutelagem, da autonomia do indivíduo. É um conceito político. Junto com ele vem o princípio de que todo indivíduo é honesto, sendo o desonesto a exceção, e não o contrário, e assim podemos "soltá-lo" entre as prateleiras que ele vai se comportar civilizadamente, sem necessidade de um intermediário oficial entre o cidadão e o objeto de consumo.

Além disso, o supermercado pressupõe a produção em massa, a abundância de produtos e uma ampla competição. Qualquer viciado em supermercados sabe que a exposição de dezenas de marcas, tipos, embalagens e ofertas de produtos semelhantes é um estímulo irresistível a se comprar mais do que o necessário ou (às vezes principalmente) o que não é necessário. Como não somos tutelados, estamos livres também para fazer besteira. O excesso ostensivo proliferou depois do horror das grandes guerras, a partir dos anos 1950, quando o mundo ocidental viveu um crescimento das classes médias sem precedentes na história. E com o supermercado ganhamos tempo, que é o subproduto mais importante (e cada vez mais caro) da sociedade do lazer.

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Aqui em Curitiba, ganhamos tempo só em tese. Uma pena que essa invenção extraordinária encontre em nós gerências arcaicas, incompetentes ou mesquinhas que acabam por transformar a compra num suplício. Já cheguei a largar um carrinho cheio porque o supermercado naquele dia "não estava aceitando cartão". Em outra grande rede, o freguês sofre com falta de etiquetas, valores errados, leitores eletrônicos que não funcionam, para depois perder 40 mi­­nutos numa fila. Um supermercado central construiu 20 caixas para atender cestinhas, mas ocupadas por apenas dois funcionários, en­­quanto uma fila so­­viética serpenteia pelas prateleiras. Sinto-me um russo em 1939, com um cartão de racionamento na mão. Dizem que é o tal neoliberalismo desses capitalistas malvados, mas acho que, nesse caso, para ir direto ao osso, é só estultice mesmo.

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