Acabo de ver uma fotografia do aiatolá Khamenei entregando a Mahmoud Ahmadinejad o certificado para exercer um segundo mandato de presidente da República Islâmica do Irã. A fotografia é loquaz: o presidente sorri, a cabeça humildemente inclinada e as mãos estendidas para receber o documento; mais alto, solene, vestido com a imponência hierática de um líder religioso máximo, Khamenei entrega-lhe o certificado. Não se trata de uma simples passagem de mandatos, de Ahmadinejad para ele mesmo tem havido protestos violentos contra o que seria uma usurpação das urnas, e parece haver um sentimento disseminado no Ocidente de que alguma coisa está mudando para melhor no Irã. Olhando daqui, a sensação que temos é que qualquer mudança seria melhor para o Irã, um país institucionalmente encalacrado em sua estrutura teológica de poder.
Seria tolice reclamar aqui da religião muçulmana, afinal tão boa quanto qualquer outra. Felizmente, desde o movimento Iluminista e o rompimento radical com o passado promovido primeiro pela Revolução Americana (1776) e em seguida pela Revolução Francesa (1789), a cultura ocidental escolheu separar cuidadosamente Estado e Religião, entendendo o primeiro como a organização civil da convivência comum entre os cidadãos, e o segundo como uma opção individual, o direito simples mas inalienável do cidadão professar a religião que bem entender. Essa separação, é claro, não caiu do céu foi uma consequência histórica cheia de altos e baixos, entranhada num processo complexo e frequentemente violento de produção de riquezas, de avanço tecnológico, de progressiva urbanização do mundo e, detalhe fundamental, de uma crescente percepção da autonomia do indivíduo e da recolocação da ideia de liberdade pessoal em um novo patamar.
Em outras palavras, fazendo uma redução ao absurdo: se a teologia continuasse com o poder político nas mãos, em suas formas monárquicas e fundamentalistas, é provável que, por exemplo, esse computador em que escrevo e a rede que ele integra jamais tivesse sido inventado pela simples razão de que não haveria as condições capazes de criar um cidadão que lhe desse sentido.
Assim, não espero muito de uma rebelião no Irã; tudo indica que se trata de um abalo sísmico para reacomodar o controle do poder e não para dinamitar um sistema político radicalmente incompatível com o mundo contemporâneo. O Ocidente gosta de insurreições porque elas quase sempre nos empurram para a frente; mas é bom relembrar o entusiasmo ocidental, em 1979, pela impressionante revolta gerida por Khomeini contra a encarquilhada ditadura do velho Xá Reza Pahlavi. Pouca gente pressentiu que o que vinha pela frente seria não a desejada libertação política de um povo oprimido, mas um retorno mental ao século XIII, que a fotografia um sacerdote legitimando um presidente ilustra de modo tão cristalino.
Cristovão Tezza é escritor
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