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Pois aconteceu de minha coluna semanal cair justamente na terça-feira de carnaval – o cronista menos habilitado do mundo para falar da festa que define o país. Por não gostar de carnaval, escolhi ficar em Curitiba no feriado – a verdadeira cidade maravilhosa neste período do ano, silenciosa, agradável, tranquila, convidativa. É com algum espírito mesquinho de vingança que acompanho o noticiário dos engarrafamentos gigantescos pelo Brasil afora, sempre me perguntando, descansado na poltrona, o que leva alguém a arrastar a família por uma estrada sabendo, de antemão, com certeza absoluta, que ficará quatro a cinco horas no mesmo lugar, na ida e na volta, entalado dentro de um carro, a criança chorando no banco de trás, a sogra aporrinhando, o cônjuge dizendo que se tivessem saído duas horas antes, como insistiu, já teriam chegado? Não sei, digo a mim mesmo, curtindo a cervejinha e escolhendo o próximo filme.

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Claro, isso é conversa de velho ranzinza – reconheço. O engraçado é que nem sempre fui esse chato que vos fala. Em outros tempos, muito longínquos, fui um carnavalesco até razoável. Não em Curitiba, é verdade, ainda que me lembre de alguns bailes de infância no Círculo Militar que me pareciam o máximo da, digamos, folia. Mas se minha memória não anda seletiva demais, havia uma certa presença do carnaval em Curitiba, uma breve aura, que hoje parece ter desaparecido. Não é um problema do curitibano, eu sei – porque são exatamente os curitibanos que neste momento abarrotam as praias, onde o carnaval de fato faz justiça ao nome. Sei que existe um carnaval remanescente aqui – mas eu precisaria sair de casa para conferir, e quando você precisa sair de casa para descobrir que existe carnaval, é porque de fato algo está errado. Ou certo, de outro ponto de vista, cada coisa no seu lugar, à maneira curitibana.

Voltando ao tema, minha intensa vida de folião durou dois ou três anos, lá no início da década de 70, em Antonina, participante de uma trupe de teatro e do então glorioso Império da Caixa D’Água. São lembranças maravilhosas de um carnaval popular, contagiante, de rua, sem hora marcada, com as marcas de um mundo ainda comunitário como só as cidades menores conseguem de fato ser. Por influência do guru da época, o barbudo W. Rio Apa, o carnaval não devia ser sentido pelo grupo apenas como uma festa, mas como uma visão de mundo, quase uma ideologia, uma arte popular que nos tornaria melhores pelo contato humano, quebra das barreiras sociais e teatralização da vida cotidiana. Era uma pauta grandiosa demais para a simplicidade do evento (simplicidade espontânea que era a alma do seu charme), mas os anos 70 foram assim mesmo, a pretensão sem cinismo.

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O mundo gira, e hoje o carnaval para mim é essa fotografia na parede, mas sem dor – de tudo fica um pouco, como diria, prosaicamente, o poeta.