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Em qualquer texto que escrevo, o título é sempre a última coisa que me ocorre. Invento qualquer coisa provisória – como o "Títulos" do alto – e vou em frente, até saber o que de fato escrevi. Então volto ao início e reescrevo o título para adaptá-lo, digamos, à realidade. Exceto naqueles vazios da falta de assunto, o que tem me acontecido com uma perigosa frequência, como agora. Daí corro atrás de um título que me inspire, como quem, começando pelo fim, começa de fato pelo início, se vocês me entendem.

Dizem os especialistas que título bom é título curto. Deve ser consequência direta dos nossos tempos de tuíte, em que ninguém tem tempo a perder – ou o tempo só está disponível para picuinhas. Os mais pessimistas dizem que ninguém tem mais paciência para ler nenhuma frase que contenha mais de dez palavras, e assim um título comprido demais acaba por espantar essa presa cada vez mais rara de todo mundo que escreve, o leitor (alguém disse que logo o Ibama terá de incluir o leitor na lista de espécies ameaçadas, junto com o mico-leão-dourado, o tigre-branco e o unicórnio, o que é um exagero). Mas sejamos otimistas – mesmo antigamente os títulos longos acabavam por se concentrar na memória em uma ou duas palavras: O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, por exemplo, passou para a história simplesmente como Dom Quixote, o que está de bom tamanho para o livro considerado o mais extraordinário romance de todos os tempos.

No jornalismo, geralmente quem escreve o texto não faz o título, o que pode criar situações estressantes. Quem dá entrevista morre de medo do título, que quase sempre destaca aquele detalhe menor no meio de um parágrafo, mas chamativo, que costuma ter um efeito devastador na cabeça do leitor; é fácil lembrar de um título, mas não de um texto inteiro. Bem, no caso das crônicas, não posso me queixar, já que eu entrego o pacote completo à Gazeta, título e texto. Aqui, a culpa pelo título ruim será sempre minha.

Título bom não pode esgotar o tema. "Vagas especulações sobre títulos de textos", por exemplo, dispensaria essa crônica já no cabeçalho. Mas, se você for Dostoiévski, daí pode: Crime e castigo – um título que em três palavras mata a pau um romance de 400 páginas. É exatamente isso que você vai encontrar nessa obra-prima: o crime e o castigo. Há títulos que são presságios e que, de tão fortes, transcendem a obra que lhes dá sentido: Crônica de uma morte anunciada ou A escolha de Sofia.

Mas o autor nunca deve fazer pose – tipo "A importância do título exato", o que, pela promessa, deixaria o cronista numa situação difícil. Uma pitada de ambiguidade é sempre bom. Se tiver humor, melhor ainda, mas isso é volátil como neblina – não dá para pegar na mão e colocar no papel. Às vezes você espreme e espreme o assunto e só sobra o título. Que é mais ou menos o que, meio sem querer, acaba de acontecer comigo.

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