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Cristovão Tezza

Um dia em Corumbá

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Escrevo de Corumbá, Mato Grosso do Sul, fronteira com a Bolívia, sob sensação térmica de 36º – e acredito no que diz a previsão do tempo. Acabo de chegar de uma vagarosa caminhada nessa manhã domingueira (andar devagar, para mim, é um teste de resistência emocional, não corra, calma, um passo de cada vez...), para apreciar a paz do mundo e tirar minhas fotos amadoras. Agora me refugiei no ar condicionado do hotel, onde redijo estas mal traçadas linhas, enquanto faço hora para voltar.

Estou aqui participando da 1.ª Feira Literária do Pantanal, uma parceria da prefeitura com o Sesc, num projeto-piloto que pretende fazer do evento uma referência cultural do Mato Grosso do Sul. Tem tudo para dar certo, a começar da paisagem, que é muito bonita – quem não ama o Pantanal? E eu só vi a beirada dessa paisagem acachapante. Contam-me que, às vezes, nos ­períodos de cheia, onças atravessam lentas as ruas da cidade intrusa, e eu prefiro acreditar, imaginando a cena surreal. "Não corra", é o conselho – e o corumbaense obedece, tranquilo no seu espaço. As pessoas aqui são quietas, observadoras, silenciosas, e talvez, certamente com razão, mantenham uma discreta ponta de desconfiança diante de estranhos. A cidade, banhada pelo Rio Paraguai, é um dos portos fluviais mais importantes do Brasil e tem uma longa história, que foi deixando sinais nas felizmente bem conservadas fachadas do setor tombado da cidade, que circunda um espaço agradável de praças e árvores.

Fiz um passeio pelo rio, a bordo de uma "marajó", uma pequena embarcação turística. Saindo do curso principal do rio e entrando nas infinitas ramificações de água e vegetação que se estendem até onde a vista alcança, vamos como que pensando na vida e na vastidão do mundo, que as águas inspiram. Disseram-me que aqui há o mais belo pôr do sol do mundo. É difícil contestar – como será um pôr do sol num deserto da Austrália, numa ilha perdida no Japão, numa savana na África? Escolho aquilo que eu já vi. Não há nuvens, mas o sol parece descer atrás de um véu translúcido, onde o vermelho sanguinolento se espraia, uma aquarela trêmula que é uma aura de irrealidade sobre a nitidez do mundo. Lembrei de um pôr do sol no Rio Negro, no Amazonas, que, de tão brutal, não pode ser reproduzido por meio algum, esmagado pelo estranho kitsch da natureza. No papel, quanto mais fiel seja, mais o pôr do sol transforma-se numa imitação vulgar de feira; no horizonte real planando sobre as águas, é um absurdo sem nenhum sentido, um efeito especial de filme B para agradar turistas, como se a natureza, shopping de si mesma, gargalhasse da cultura clássica e do senso de equilíbrio das formas criadas pela geometria humana. A natureza não gosta do realismo, essa dupla falsidade. "Não caia no ridículo tentando me copiar", ela nos diz.

Viajei demais – é hora de voltar a Curitiba.

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