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Há alguns dias estive em Natal, no Rio Grande do Norte, num simpático encontro literário – ou na cidade do Natal, como as placas fazem questão de escrever. A primeira pergunta que eu ouvia onde quer que fosse era se eu já havia estado lá, e relembrei meu encontro inverossímil com aquela cidade. Sim, já estive em Natal, uma única vez, nos idos de 1977 – essas confissões acabam sempre entregando a idade –, participando de uma equipe de xadrez dos Jogos Universitários. Até aí, tudo bem. O fantástico é que fui representando o estado do Acre, que enviava orgulhosamente duas delegações, a de Handebol e a de Xadrez. O que eu estava fazendo no Acre fica para outra vez, mas guardo até hoje a surpresa de descobrir, no mapa e de fato, numa viagem interminável, com seis conexões, que o Brasil é mais largo que alto: não parece, mas a distância entre Cruzeiro do Sul, no Acre, e Natal, é maior que a distância entre o bem mais famoso eixo do Oiapoque ao Chuí, que sempre sai na fotografia. Além da aventura da viagem, recordo pouco daquele tempo – do alojamento em colchões no chão em salas de um colégio, das palavras de ordem contra a ditadura e de uma maravilhosa guerra de tomates no refeitório. Lembro também do Morro do Careca, com suas areias verticais em forma de tobogã, ou de cascata, ladeadas de mato.

Pois é exatamente o morro que eu via agora de novo, três décadas depois, curtindo minha maravilhosa mordomia de escritor convidado na varanda cinematográfica do apartamento do hotel, diante da praia com seus verdes mares bravios, aqui e ali manchados charmosamente de sargaços. Um paraíso tranqüilo, sempre com um sopro de vento para amainar o calor, e com a infalível boa culinária do Nordeste a temperar o encontro.

Estou muito longe de Curitiba, mas súbito dou com uma réplica do célebre olho do museu de Niemeyer, com seu jeitão de nave espacial, desta vez recém-plantado 45 metros acima, no centro do Memorial de Natal, para onde uma van nos leva num passeio. Do alto do obelisco que agora preserva uma área das dunas ameaçada pela especulação imobiliária, vemos a cidade derramando-se em torno. Presto atenção nas histórias do legendário ex-deputado Sebastião Nery, que nos acompanha – dono de uma memória giratória, jura lembrar de mim 40 anos atrás, num encontro em Curitiba com Philomena Gebran e W. Rio Apa. O melhor foi um jantar à noite com Carlos Heitor Cony, provavelmente o escritor com mais páginas rodadas na história do Brasil. Confessou que, numa época, chegava a escrever oito crônicas por semana, e que às vezes batia-lhe o desespero da falta de assunto. Claro que, cronista aprendiz, o tema me interessou profundamente. "E quando falta assunto?", perguntei.

– Quando falta assunto, escrevo uma frase qualquer e sigo adiante.

Atento à voz do mestre, acabo de testar a receita. Parece que dá certo.

Cristovão Tezza é escritor.

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