Eu vivia me vangloriando de que, no caos aéreo brasileiro, nunca me aconteceu nenhum grande atraso ou desconforto; por pura sorte, imagino, em mais de dez anos de intensa camelotagem literária, apenas duas vezes passei por um transtorno maior. Na primeira, uma conexão no Galeão me deixou lá das 3 da tarde às 2 da madrugada era uma "operação tartaruga" que afetou o país inteiro e, portanto, não me senti tão injustiçado. A outra vez foi um nevoeiro no Afonso Pena que me levou a Florianópolis, de onde vim por terra, num autêntico programa de índio se tivesse pegado o ônibus em São Paulo, chegaria antes em casa. Mas só consegui xingar o tempo, os banhados de São José dos Pinhais e o destino cruel. Não sei se há tecnologia que permita pousos com nevoeiro intenso; parece que sim nesse caso, xingo também todos os governos que ainda não instalaram a traquitana por aqui.
Mas semana passada tive uma amostra do que é realmente um caos aéreo. Programado para viajar a Recife às 7 da manhã, cheguei cedinho, bom curitibano, e fui direto ao check-in automático, que minha maleta é leve. O monitor me mandou ir ao balcão mau sinal. A fila já era grande. O funcionário (gentil aliás, o pessoal do lado de lá do balcão me impressionou pela cortesia, quando o lado de cá parecia um matadouro enlouquecido) informou que, devido à cerração, o voo estava cancelado e havia outro apenas ao meio-dia, para São Paulo. De lá eu iria a Recife às 6 da tarde, chegando às 9 da noite, quando, então, embarcaria num táxi em direção a Garanhuns, onde desembarcaria à meia-noite. Em suma, um dia para esquecer. O primeiro impulso foi desistir de tudo, voltar para casa, ler um livro, tirar uma soneca depois do almoço, sair para um café no fim da tarde, respirar a tranquilidade daqui para que viajar? Estou tão bem aqui, sossegado! Mas a culpa do trabalho me persegue, a vergonha do calote queima a alma, e fui ficando no meio daquela massa crescente de malas humanas. O avião do meio-dia passou para 1 da tarde, depois para as 2, enfim para as 3, quando enfim embarquei; resumindo, meia-noite e 15 eu estava no hall do hotel da cidade de Lula, Garanhuns, a 900 metros de altitude e com um friozinho que em nada lembrava o Nordeste; como arremate, o funcionário levou 45 minutos para achar minha reserva. Em nenhum momento levantei a voz. Estou impressionado com o poder da minha autoajuda.
No outro dia, dissipou-se o mau humor: um ótimo encontro na biblioteca do Sesc local, com uma recepção calorosa e duas horas de conversa solta sobre literatura, mediada pelo jornalista Inácio França. Eu me senti renovado, pronto para outra. Chovia em Garanhuns, o que não diminuía o entusiasmo do Festival de Inverno, com palcos de música em toda parte, porque em toda parte o Brasil vive em voz alta. Na volta a Recife, enfim vi a paisagem, que era verde.
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