Em reverência aos 20 anos da morte de Tom Jobim, uma história real vivida por uma curitibana. Para não citar o nome, trago à cena dois personagens pertencentes ao imaginário do cronista: Estalactite e Estalagmite.
Eternamente noivos, Estalactite é para baixo, Estalagmite é para cima. Morando no mesmo prédio ou na mesma caverna , o Tite mora no apartamento de cima, a Mite no apartamento de baixo. Feitos um para o outro, mesmo com temperamentos opostos, não se desgrudam. Um para baixo, outro para cima, todo ano é a mesma briga: em meados de dezembro Tite e Mite começam a discutir se ficam ou não ficam em Curitiba no fim de ano. Fico ou não fico, é uma velha polêmica curitibana que não afeta apenas o relacionamento do casal. Nessa época, Curitiba racha entre os que ficam e os que não ficam. Nos últimos 20 anos, os que não ficam estão vencendo, abrindo grandes vantagens estatísticas sobre os que se rendem ao sossego.
Naquele início de verão, Tite e Mite foram surpreendidos com um convite para passar o réveillon no Rio de Janeiro: "Mite, você não sabe da maior! Através de uma amiga que trabalha no jornal O Globo, conheci o Paulinho. Gente boa à beça, ele me emprestou a casa da família por três meses. É uma mansão dos sonhos no Jardim Botânico, bem embaixo do Suvaco do Cristo".
"Como assim, emprestou? Você não mora no Flamengo?" "Morava. Tive de entregar o apartamento. Foi quando conheci o Paulinho, que está passando uma temporada com o pai em Nova York. A casa é um castelo na Mata Atlântica. E como se não bastasse o canto dos passarinhos, na sala com vista para a floresta tem um piano branco. Coisa de cinema. Vocês vêm?"
"Bem, Glorinha, depende do Tite. Sabe como ele é, assim pra baixo..." "Ora, diz pra esse pré-histórico que aqui da vizinhança o bloco Suvaco do Cristo junta uma porção de gente amiga. É botar camisa listrada e sair por aí."
Um para baixo, outro para cima, Estalactite e Estalagmite foram para o Jardim Botânico, tendo um piano branco com vista para as divinas axilas do Cristo Redentor.
Passado o réveillon, Tite e Mite estavam ainda no Suvaco do Cristo tratando das perdas e danos físicos, quando numa bela manhã soa insistentemente a campainha. Estalagmite foi atender. Era um senhor de cabelos longos, de chapéu panamá, muito charmoso, conhecido de algum lugar: "Bom dia! Desculpa incomodar, mas eu vim buscar o meu piano!"
Era o próprio Tom Jobim, dono da casa e pai do Paulinho. Em seguida, entraram os carregadores e lá se foi o piano branco com o maestro orquestrando o resgate.
Tom Jobim começou a escrever o poema Chapadão quando escolheu o terreno no alto do Jardim Botânico para construir a casa, que levou quatro anos para ficar pronta e outros quatro para terminar os versos: "Vou fazer a minha casa / No alto do chapadão / Vou levar o meu piano / Que ficou no Canecão".
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