Antes de se enfurnar nos Estados Unidos para escrever o seu aguardado livro sobre a Proclamação da República, em 2012, o escritor Laurentino Gomes esteve em Curitiba, para uma palestra da Academia Paranaense de Letras. No jantar em seguida, dei a ele um exemplar da primeira edição do livro O Brasil Anedótico, de Humberto de Campos, uma preciosidade do humor político brasileiro. A edição de 1951 infelizmente foi esquecida na mesa do restaurante e recuperada dias depois, o que não fez nenhuma falta à obra de Laurentino.
Revisitando as anedotas políticas de Humberto de Campos, deduz-se que a Proclamação da República daria um roteiro na medida para Woody Allen. Marechal Deodoro, por exemplo, poderia ser interpretado pelo próprio diretor. Com um pé no Império e outro na República, deveria ter sido o patrono do PSDB. Sempre em cima do muro, jamais contestou que, até as vésperas de 15 de novembro, tivesse servido devotadamente ao imperador dom Pedro II. A sua adesão à República foi em cima da hora, no dia 10 ou 12 de novembro, segundo Humberto de Campos. Certo dia, já presidente da República, Deodoro recebeu no Itamaraty um cavalheiro que alegava ser republicano de longa data, lutando pela República desde 1875. Deodoro da Fonseca só tinha cara de brabo. Bem pachorrento, respondeu: “Pois eu, meu caro senhor, não dato de tão longe”. E, depois de bocejar, completou: “Eu sou republicano de 15 de novembro, e o meu irmão Hermes, de 17, dois dias depois”.
Com um pé no Império e outro na República, o marechal Deodoro deveria ter sido o patrono do PSDB
Na madrugada de 16 de novembro, encarregado de promover o embarque da família imperial para a Europa, a bordo do navio Parnaíba, o coronel Mallet foi buscar dom Pedro II no Paço Imperial: “Que é isso? Então vou embarcar a esta hora da noite?”, exclamou o velho imperador. Mallet, que hoje é nome de um município do Paraná, adiantou-se com ar respeitoso: “O governo pede a Vossa Majestade que embarque antes da madrugada”. “Que governo?”, indagou o monarca. “O governo da República!”, informou o oficial. “Deodoro também está metido nisso?” “Está, sim, senhor! É ele o chefe do governo!” E o imperador, com olhos de espanto: “Então estão todos malucos!”
Outra cena de comédia aconteceu com o Visconde de Ouro Preto, preso na noite de 15 para 16 de novembro. Tarde da noite, entra o tenente Mena Barreto batendo as botas na cadeia do quartel, em altos brados: “Acorde e prepare-se para ser fuzilado!” Ouro Preto se botou de pé e respondeu no mesmo tom: “Só se acorda um homem para fuzilar! Nunca para o avisar de que vai ser fuzilado!” O visconde acabou sendo exilado e tudo não acabou em pizza porque em 1889 as napolitanas ainda não tinham chegado ao Brasil.
Meses após a proclamação da República, o Visconde de Taunay encontrou-se com Benjamin Constant, o ideólogo do regime implantado. “Olhe – dizia Benjamin –, eu contava com sincero patriotismo e só tenho encontrado pratiotismo. Conhece esta palavra?” Taunay fez um sinal negativo com a cabeça. E Benjamin continuou: “Inventei essa palavra para meu uso. Transpondo um ‘r’ da segunda sílaba para a primeira, pratiotismo é o amor incondicional, acima de tudo, ao prato, à barriga, ao interesse pessoal. É o sentimento que inutiliza, espezinha e conspurca o patriotismo”.
No Maranhão, constituíram uma Junta Governativa de apoio à República com o tribuno Paula Duarte, adesista de última hora, entre os comandantes. Ao fim de alguns dias de governo, apareceu na imprensa da terra do José Sarney um manifesto assinado pela Junta Governativa, muito bem escrito, que impressionava do princípio ao fim pela violência da linguagem. Espantado com a assinatura de Paula Duarte, até dias antes monarquista de carteirinha, um amigo procurou-o para estranhar o fato: “Que podia eu fazer, meu filho? – observou o tribuno, abrindo os braços – Que podia eu fazer?” E, desculpando-se: “Imagine você que, entre a ignorância e a espada, mal pude salvar a gramática!”
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