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No “Ano Internacional da Reconciliação”, em 2009, na Lapa onde nasceu, a saudosa escritora Thereza Lacerda estendeu a mão e se prontificou a unir num só abraço Pica-paus e Maragatos, os históricos desafetos da Revolução Federalista (1893-1895) que ainda guardam no fundo do baú alguns ressentimentos. Quireras do passado que, à mesa, não tiram o sabor da vera quirerinha lapiana.

Para os adventícios, diga-se que o velho Paraná ainda é dividido em dois: de um lado, os Pica-paus; de outro, os Maragatos. Mui toscamente, os confrontos entre essas duas facções podem ser comparados às querelas entre Coxinhas e Mortadelas. Só que, em vez de perder a cabeça no Facebook, antes e depois do Cerco da Lapa as decapitações eram à esquerda e à direita. Como se fosse a tomada de Curitiba pelos Maragatos, em janeiro de 1894, quando o caudilho gaúcho Gumercindo Saraiva botou os Pica-paus de Vicente Machado para correr, dividindo a capital entre Coxinhas e Mortadelas.

O velho Paraná ainda é dividido em dois: de um lado, os Pica-paus; de outro, os Maragatos

Sem aviso prévio pelas redes sociais, foi um Deus nos acuda quando os Maragatos amarraram seus cavalos no bebedouro do Largo da Ordem. Crianças foram levadas ao sótão, mulheres se armaram de ripas em defesa da prole e da propriedade, os machos correram para o mato e o comandante militar se escafedeu. Deixou para trás o General Carneiro cercado na Lapa. Vicente Machado, sem condições de resistir com meia dúzia de sabujos, bateu em retirada para abrigar o governo na lonjura de Castro. Foi assim que racharam Curitiba em duas partes desiguais: de um lado os Maragatos, armados até os dentes; de outro lado os Pica-paus, sob a proteção de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais e aos cuidados do Barão do Serro Azul.

121 anos depois, Coxinhas e Mortadelas ainda não se escalpelaram no shopping porque a guerrilha e o anonimato da internet são mais seguros e, como aconteceu naqueles idos da ocupação, a agenda social curitibana ainda tem lá os seus encantos.

Conforme deixou registrado o médico maragato Ângelo Dourado, durante a invasão a reservada Curitiba não deixou de participar de alguns festejos e, sem cusparadas de um lado e de outro, até alguns bailes foram realizados: “Entramos no período de festas. Tivemos missa pelos mortos, funerais pomposos, onde se deu contraste digno de notar. (...) Depois tivemos os bailes onde cada conviva deixava alguma coisa para os feridos. Eram moças que pediam. (...) Apesar de fugir sempre de festas, tive de ir porque fui avisado que nas paredes do clube achavam-se cartões de ornamentação, tendo cada cartão o nome de um dos salientes revolucionários e que o meu era dos primeiros”.

Gumercindo Saraiva era um fronteiriço mais grosso que papel de embrulhar prego, embora nos bailes públicos o xucro se desmanchasse frente às senhoras e senhoritas de família. Pelo menos em Curitiba, o caudilho foi um homem de palavra. Cumpriu o que prometeu ao Barão do Serro Azul. Quando um soldado de nome Diniz matou por ciúme uma moça com uma navalha, Gumercindo, revoltadíssimo, mandou laçar o assassino e, no “Olho d’Água dos Sapos” (hoje Praça Rui Barbosa), ordenou que decepassem com machado o pescoço do ciumento.

Para consagrar a paz, Thereza Lacerda tinha o projeto de organizar um grande ato público com culto ecumênico em nome dos caídos de um lado e de outro, seguido de festa de confraternização, tertúlias e recitativos, enfim, tudo o que deveríamos fazer para reaproximar num só abraço os Coxinhas e Mortadelas.

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