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Revirando o baú da cultura de almanaque, leio que o colarinho branco era ferramenta de trabalho dos vendedores. Tanto que uma respeitável firma de Wall Street, a Wallace, Petticoat & Lane, tinha um manual de instruções, no qual recomendava aos seus vendedores que, antes de vestirem a camisa de manhã, submetessem o colarinho à prova da janela. Se houvesse dúvida quanto ao estado dele, que jogassem a camisa no cesto da roupa suja.

Conforme o manual, quando o vendedor de qualquer coisa entra num escritório ou residência, o olhar do prospective client vai primeiro para o colarinho. O sapato pode estar furado na sola (o cliente não vê), a calça pode estar puída no fundilho (o vendedor entra de frente), mas o colarinho tem de estar impecável, em qualquer circunstância.

O colarinho já teve os seus tempos de glória. Principalmente quando era descartável, para ser mudado diariamente. Tinha até um palmo de largura, se espalhava por cima do gibão e coitada da lavadeira que não o devolvesse alvo e engomado, estalando de bonito.

No Brasil, o colarinho era sinônimo de autoridade. Pelo colarinho media-se o prestígio do fulano. E tinha sicrano que nem mesmo levava o colarinho no pescoço, guardava no bolso como se fosse um documento: "Sabe com quem está falando?" De uns bons anos para cá, o colarinho branco entrou em decadência. Começou quando explodiram na imprensa os primeiros crimes do colarinho-branco. Caiu de moda, apesar de nenhum colarinho-branco ter sido visto no xadrez. Muito pelo contrário, em Paris os bacanas desatam a gravata e comemoram com guardanapos amarrados na cabeça.

Politicamente, podemos dizer que a base do governo tucano era caracterizada pelo colarinho-branco. Tanto que os paulistas têm o único metrô do mundo perfurado por quadrilhas internacionais acima de qualquer suspeita, cujos técnicos atuavam de capacete e colarinho branco. Com os petistas e seus consortes, a predominância é do colarinho preto com gravatas profusamente coloridas. Trocamos de figurino, sem mudar a aparência.

Pior que o colarinho, só mesmo o que aconteceu com os coletes. Perderam tanto prestígio que até uma plebeia camiseta de gola careca ganhou o direito de escoltar o paletó. Colarinho e colete, assim como as galochas com meias brancas, são espécies em extinção.

Dia desses saí na rua desprevenido e entrei num shopping para comprar um colete. Na loja de roupas de grife me atendeu um jovem de largo sorriso, com acentuado sotaque de novela. Esperançoso, fui logo perguntando: "Vocês têm coletes?" E o vendedor me respondeu com meio sorriso: "Coletes salva-vidas?"

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