Se a história é contada pelos vencedores, as fábulas precisam ser recontadas pelos trocistas, pândegos e zombeteiros. A propósito destes tempos de ascensão e queda, faz-se necessária uma versão atualizada da “Festa no céu”, conto tradicional brasileiro já reescrito por Viriato Correia e Luís da Câmara Cascudo. É a aventura de um sapo inteligente e ambicioso que era uma vez queria porque queria chegar ao céu. Apesar de não saber voar.

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Bonito por natureza, no Reino da Bicharada os bichos mais fortes e ladinos viviam no bosque e o resto chafurdava no brejo, origem do sapo petulante. Era um sapo que se fazia muito admirado entre a fauna privilegiada dos jardins e os bichinhos humildes das terras úmidas e movediças da periferia.

O sapo achou uma maneira de chegar ao céu: abraçou sua perereca e foi se esconder dentro da viola do urubu

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Inconformado com o descalabro ambiental, o sapo liderou uma marcha em direção ao bosque. Bateu na porta do elefante exigindo sombra e água fresca para todos, da pulga ao hipopótamo. A elite do bosque, alvoroçada com a rebelião, convocou o leão para acalmar o bode. Sábia, a coruja percebeu que o sapo tinha muito peito e muito papo: “É preciso convocar uma convenção de notáveis. Para o bosque continuar do jeito de sempre, alguma coisa precisaria mudar!” - dizia a erudita coruja ao rinoceronte. Todos os convencionais assinaram embaixo, e foi assim que o sapo se tornou o rei da bicharada com apoio de cobras e lagartos. A macacada trocou de galho. As hienas morreram de rir. O apoio dos peçonhentos foi o de menos. Complicados foram os preparativos para a festa no céu: “Como o sapo vai alcançar o firmamento, com o trono lá naquelas alturas?” – duvidou a andorinha – “Eu, heim!”.

O sapo tinha os seus planos de governo, ele não era o burro nem nada: acabar com a política imposta pelo sistema financeiro do zoológico e privilegiar os trabalhadores dos brejos; combater os juros extorsivos; acabar com a política neoliberal implantada pelos tucanos acostumados a lavar a égua; botar na gaiola as aves de rapina e, principalmente, enjaular os 300 ursos que não tiravam a pata da colmeia.

Com ajuda das aves de arribação, o sapo achou uma maneira de chegar ao céu: abraçou sua perereca e foi se esconder dentro da viola do urubu. Este, mal reparando que o instrumento de sete cordas tinha excesso de peso, amarrou-o a tiracolo e bateu asas para o céu: rru-rru-rru... A festa no céu foi de arromba. Sete dias e sete noites de mordomias. Gatos e ratos se esbaldaram, até a girafa deitou e rolou. A cigarra botou o pé na jaca, a formiguinha se lambuzou no mel.

Fim de festa, o urubu agarrou a viola e tocou-se de volta para a terra: rru-rru-rru... O retorno num céu de brigadeiro ia pelo meio do caminho, quando o sapo se mexeu e enjoado coaxou. O urubu, ladino, ao espiar dentro da viola viu os batráquios lá no escurinho. Foi quando, lá do alto, o urubu emborcou a viola. Sapo e perereca despencaram-se zunindo céu abaixo. E dizia ele na queda: “Béu-Béu! Se eu não escapar, nunca mais festa no céu!...”. E vendo as serras lá embaixo: “Arreda pedra, se não eu te rebento!”.

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Mesmo duro na queda, o sapo caiu como um abacate maduro, espapaçando-se todo. Ficou em pedaços. Nossa Senhora do Bom Socorro, com pena do sapo, juntou todos os pedaços e o coitado por milagre enviveceu de novo. Por isso o sapo é assim chato e com o couro todo remendado. O urubu, chegando logo em seguida, ainda se fez de gozado: “Ué, vivaldino! Já chegou? Veio rápido, hein?”.

Com o sapo de volta ao brejo, foram-se os anos de bem bom no Reino da Bicharada e só agora ficamos sabendo quem mais se despencou dos píncaros celestes. Além do bicho preguiça, do porco espinho, dos ratos e gatos, até a anta sabichona voltou para casa num rabo de foguete.