Quando Curitiba completar mil anos, pouca coisa vai sobrar. Bem provável, um retrato do Dalton Trevisan, os murais de Poty, os restaurantes de Santa Felicidade, as calçadas da Saldanha Marinho, o Terminal Guadalupe, o projeto do metrô e uma polêmica: "Quem seria o pai de Curitiba? Ébano Pereira ou Jaime Lerner?"
Como se sabe, nossos historiadores estão divididos entre os que defendem o cachorro-quente com duas vinas (com mostarda) e uma vina (com cheiro verde). Esses ortodoxos sustentam que a vilinha nasceu em busca do ouro, com os primeiros boatos em Paranaguá de que a maior jazida se localizava onde hoje é o Palácio Iguaçu. A cobiça atraiu os primeiros garimpeiros para a região e até hoje continua atraindo. Em 1649, Ébano Pereira comandou uma expedição exploratória para subir a Estrada da Graciosa e atingir o planalto em busca das minas do Rei Salomão Soifer. Como não acharam nem um dente de ouro, dizia-se à boca pequena que Ébano Pereira queria mesmo era abrir uma picada do Litoral aos Campos Gerais para cobrar pedágios escorchantes. Isso, sim, uma verdadeira mina de ouro.
Os historiadores partidários do cachorro-quente com uma vina são revisionistas. Com certa razão, porque até 1971 Curitiba não existia. Pelo menos na mídia internacional. Só depois que Jaime Lerner criou a Rua das Flores é que a cidade nasceu para o mundo. Até então, os curitibanos não passavam de uma estranha tribo que se alimentava de vina e pinhões.
Consta no memorial descritivo dos historiadores lernistas que a escolha do local de construção foi determinada pelo cacique Tindiquera, o touro-sentado dos pinheirais. Insistentemente assediado pelos capangas de Ébano Pereira, depois de muitas negociações o chefe tingui decidiu ceder parte de suas terras para a povoação. Com os caras-pálidas em fila indiana, Tindiquera caminhou até uma clareira na Praça Tiradentes e ali bateu o pé. Observou a direção do vento e, de repente, fincando no chão a sua lança, disse a misteriosa frase: "Taki-keva!".
E, sem ao menos se despedir, o cacique sumiu em direção ao Bigorrilho. Os povoadores ficaram de boca aberta. O que Tindiquera queria dizer? Como não havia nenhum tradutor presente, chegaram à versão óbvia: "É aqui!" Só no dia seguinte os forasteiros souberam, por um tradutor tingui, que "taki-keva" queria dizer "chamar arquiteto!"
Quando a Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais completar mil anos, a polêmica ainda vai persistir: Quem é o pai de Curitiba? Ébano Pereira ou Jaime Lerner? Até lá, a única unanimidade curitibana será quanto à mãe da cidade: Helena Kolody, a professora que nos amamentou de poesia.
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