Ao tomar conhecimento do pacto com que o senador Romero Jucá pretendia delimitar a jurisdição da República de Curitiba, o cético chegou à conclusão que no Brasil tudo é verdade, se assim lhe parece: foi uma armação geral com o Partido da Imprensa Golpista (PIG) para abafar o insustentável e rumoroso protesto da classe artística em defesa da Lei Rouanet. Michel Temer combinou com a Folha de S. Paulo, que combinou com Sérgio Moro, que combinou com Rodrigo Janot, que por sua vez combinou com o STF para vazar a gravação e, assim, a mídia reverberar o escândalo com o propósito de chamar a atenção da opinião pública para as medidas de salvação nacional de Henrique Meirelles.
Contingente bem mais vasto que o dos indecisos, o cético - ou céptico - é o cidadão que duvida de tudo; o descrente. Cepticismo é uma corrente filosófica que tomou conta do inconsciente político do povo brasileiro. O dicionário assim define o cepticismo: “É a doutrina segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão metafísica, religiosa ou absoluta do real”. É a descrença, a incredulidade, a dúvida.Na antiguidade, era a designação da doutrina do filósofo grego Pirro. Daí o céptico julgar que, ganhe quem ganhar, cabe ao eleito uma vitória de Pirro. Grosso modo (e bota grosso nisso), ao vencedor as batatas, pepinos e abacaxis.
A política tornou-se via de mão única em direção ao poder. A qualquer custo
Os eleitores que vão às urnas com uma ideia fixa, com um candidato na ponta da língua e na estampa da camiseta, são os indubitáveis. Esses não têm dúvidas; nem remorsos. Pelos estatutos da sobrevivência, os indubitáveis são eleitores que depositam seus votos nas urnas como se fossem depositar um cheque pré-datado. Aos céticos (isso as pesquisas também não mostram) devemos somar os decepcionados, os ludibriados e os arrependidos. E se arrependimento matasse, brasileiro não teria título eleitoral. Teria atestado de óbito.
Exemplo de cético é o pintor Rogério Dias. É cético na vida, na política e nas artes: com tela, tinta e pincéis, cria passarinhos tão belos que até o Criador duvida. Certa vez, nós estávamos bem sentados na mesa da diretoria do Bar Kappele, quando um rato correu junto ao balcão para se acomodar num apoio da parede, junto ao braço do artista. Rogério Dias olhou para mim, outra vez mirou o rato, e perguntou com um olhar fixo à frente: “Eu não tenho bem certeza se sou um homem ou um rato. Mesmo assim, pergunto: isto é um rato?”. “É um rato, Rogério!”. “Tem certeza que é um rato, ou estaremos vendo ratos?”. “Não estamos vendo ratos! É um rato!”. “Ótimo! Então vamos continuar bebendo! Um brinde ao nosso companheiro rato!”.
Cético é o cidadão que já não sabe ao certo se os políticos são homens ou são ratos. Indeciso é o não decidido; o duvidoso, hesitante, irresoluto. E quando nada está decidido, cabe a palavra final ao indeciso, com sua capacidade de resolver de pronto. No trânsito, por exemplo, depois da colisão na via de mão dupla, reclama o atingido: “Seu guarda, esse indeciso fez sinal que ia entrar à esquerda. Acelerei, também desviei à esquerda, e fui com tudo pra cima do carro dele!”. “Mas ele não estava sinalizando que ia entrar à esquerda?”. “Justamente! É inacreditável, mas ele entrou de fato à esquerda! Quem iria adivinhar? O normal seria um indeciso sinalizar à esquerda, e entrar à direita!”.
A política tornou-se via de mão única em direção ao poder. A qualquer custo. Esquerda ou direita, as regras básicas da circulação ideológica já não fazem mais sentido. Resta aos céticos, portanto, entrar na contramão.
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