Os gansos e as uvas

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Quando os gansos eram cachorros, no Bigorrilho morava um polaco ranheta chamado Lasota. Ranheta, mas tinha lá suas virtudes: fazia um licor de uva irresistível. Lasota pegava um vidro de boca larga, punha as uvas maduras, completava com pinga e açúcar, descansava a infusão por vários dias. Depois ia tirando com uma concha e tomando de cálice em cálice no aperitivo do almoço e jantar. Quando acabava a pinga do vidro de boca larga, Lasota botava mais pinga em cima e mais açúcar em cima, que o vidro de boca larga ainda dava para uns três complementos. Aquelas cascas de uvas restavam entranhadas em álcool.

Do outro lado da rua, em frente da casa do Lasota, morava dona Júlia, polonesa também ranheta que criava gansos. Tinha 23 gansos, criados soltos num terreno baldio por onde passava um córrego que formava uma pequena lagoa. Certa feita, depois de ter esgotado pela terceira vez o licor do vidro de boca larga, Lasota preparou outra infusão com uvas novas e jogou fora, por cima da cerca, as uvas velhas entranhadas de álcool.

Os gansos, que estavam passando por ali, engoliram as uvas.

Quando escureceu, Dona Júlia foi recolher os gansos e, para sua surpresa, encontrou as aves deitadas de costas, com as patas para cima. A ranheta da Júlia ficou tiririca: "Desgracido do Lasota! Envenenando meus gansos! Vou ter de atirar gansos no valeton, mas não vou perder travesseiro nenhum!"

Dona Júlia arrancou todas as penas dos gansos para transformar em travesseiros e jogou as carcaças depenadas na valeta. Sem ao menos suspeitar que os gansos estavam apenas de porre, efeito das uvas entranhadas de álcool do Lasota.

Quando foi de madrugada, os gansos pelados acordaram. Curtiram o porre e voltaram para o quintal de dona Júlia, onde ficaram grasnando em volta da casa. O porre dos gansos acordou o Bigorrilho. A ranheta da Júlia queria matar o ranheta do Lasota. Foi um furdunço!

Volta e meia o Lasota aparece no Bar do Popadiuk, onde até os gansos não abrem mais o bico pra discutir raça, religião e política. Futebol, agora, com certo constrangimento. Entre umas e outras avançadas no pote do pepino azedo, Lasota é um dos raros da confraria do Popadiuk que ainda toca nesses assuntos assim escabrosos.

"Quem ganha a eleição, seo Lasota?" "Sou do tempo em que burro não falava. Aqui no Bigorrilho, quem fala demais é ganso!" Lasota dá mais gole no licor de uva e olha em volta: "Não sabem que cachorro de polaco é o ganso?" "Como assim? O que os gansos têm a ver com a eleição?" "Ganso só grasna em defesa do dono da casa!" "Então pra quem os gansos estão grasnando, seo Lasota?" "É o que se pergunta aqui no Bigorrilho: por que os gansos estão assim, quietinhos demais da conta?"

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