Foi Luiz Inácio Lula da Silva quem institucionalizou, deu caráter oficial, retirou do chulo a palavra “sacanagem” – um turpilóquio (socorro, professor Deonísio da Silva!) que, nos tempos da Dercy Gonçalves, seria um sacrilégio tal pachouchada nos lábios de uma aluna do Colégio Sion. Novos tempos, novos falares, hoje essa deselegante palavra até pode ser ouvida na antessala do bispo.
Por suas origens sindicalistas, Lula adquiriu o direito de desconsiderar a liturgia do cargo e usar da “sacanagem” nos seus mais diversos sentidos. O estilo “chulo e xucro” de Lula parece ter sido também assimilado por Dilma Rousseff em reuniões palacianas, quando faz do palavrão uma exaltação ao seu cordão de puxa-sacos. Numa dessas audiências, Dilma sapiens tratou o ministro da Justiça com a finesse de costume: “Eu não vou pagar pela merda dos outros!” – disparou a discípula do boquirroto. Os puxa-sacos aplaudiram.
O estilo “chulo e xucro” de Lula parece ter sido também assimilado por Dilma Rousseff
Não podia ser diferente. “O verdadeiro puxa-saco é vidrado em presidente da República, seja ele um verdadeiro homem de Estado, seja ele uma besta total”, dizia Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. “No setor administrativo, então, Deus me livre!” – e se benzia o autor do Samba do Crioulo Doido: “Não há um prefeito cretino de cidade do interior que não sonhe com uma praça para inaugurar com o nome do presidente da República”. Como se fosse uma premonição, Sérgio Porto contava, então, a história daquele prefeito bronqueado com a mania nacional de estar mudando a toda hora o nome da praça principal da cidade, conforme as oscilações políticas da República: “Ora inaugurando placa nova com o nome de Praça Presidente Café Filho, para logo mudar para Praça Presidente Kubitschek, depois Praça Presidente Jânio Quadros e em seguida Praça Presidente João Goulart, outra vez para Praça Presidente Castello Branco. O homem, provando ser um austero administrador municipal, acabou com essa fofoca, inaugurando a placa definitiva com o nome da praça: Praça Presidente Atual”.
De tanta sacanagem – que de resto, tudo abaixo do Equador é uma grande sacanagem –, a situação política no Brasil está tão confusa, o futuro tão incerto e os políticos tão desnorteados (o mais sensato está dando milho pra bicicleta e bom dia ao cavalo) que a base governista não mais presta obediência a Dilma Rousseff: do alto de sua arrogância, rendeu-se à inépcia para terceirizar o governo a Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa tardia terceirização não é nenhuma novidade, a bem da verdade: Jânio Quadros terceirizou a adega palaciana para Jango Goulart, o terceirizado pelos generais; Tancredo Neves terceirizou a faixa presidencial para José Sarney; Fernando Collor terceirizou as sobras de campanha para PC Farias; e o tucano Fernando Henrique só não terceirizou seus próprios livros. Lula, por sua vez, tentou terceirizar o varejo para Zé Dirceu, que sem nenhum escrúpulo terceirizou a manutenção da base aliada para os mensaleiros. Essa terceirização até que saiu barato. Saiu caro para Dilma Rousseff, pois no fim das contas não deu certo a terceirização dos seus malfeitos, em nome da Petrobras.
Por enquanto é Dilma Rousseff, amanhã pode ser Michel Temer, depois quem sabe Eduardo Cunha, em último caso Ricardo Lewandowski. Em meio à demência de um lado e de outro – no dizer de Lula, é a insanidade mental que leva os parlamentares a favorecer o impeachment –, por via das dúvidas a presumida herdeira do lulopetismo já pode ser chamada de “Presidente Atual”.
Ou, como prefere o cordão dos puxa-sacos, “Presidenta Atual”.