Era uma vez, a rapaziada se dividia em turmas. Uma turma enfrentava a outra, com pau, pedra, porrete e até se atacavam com uma ou outra "cabeça de negro", o rojão que se vendia para a festa de São João. Nas esquinas de Curitiba não era diferente: a turma da Saldanha brigava com a turma da Espanha e as duas soltavam foguetes dentro da Galeria Tijucas.

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O escritor Khaled Hosseini conta, no livro O caçador de pipas, que um professor de redação literária sempre alertava quanto ao uso de clichês, as frases prontas e embaladas para fácil digestão. "Tratem de evitá-los como se evita uma praga." O professor ria da própria piada, a turma ria junto, mas o escritor nascido no Afeganistão sempre achou que aquilo era uma tremenda injustiça: "Porque, muitas vezes, eles [os clichês] são de uma precisão impressionante".

"Diz-me com quem andas e eu te direi quem és" – este é um desses clichês que precisam ser evitados como uma praga e. no entanto, muitas vezes são de uma precisão absoluta. Muitas vezes. Certa vez o escritor Manoel Carlos Karam foi visto saindo de um teatro ao lado da Virna Lisi, em Paris, e nem por isso os tabloides sensacionalistas da Europa noticiaram que a atriz estava apaixonada por um escritor da América Latina. Para fortuna de Karam, bem que naquela oportunidade o velho clichê podia ter sido de uma precisão impressionante.

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Para usar dois outros clichês numa mesma frase, muitas vezes as aparências enganam e assim é se lhe parece. Entretanto, não é difícil conceder às evidências que cada um tem a sua turma, e diz-me quem faz parte da tua turma que eu te direi quem és. Assim sendo, assim identificamos quem é quem na cena política brasileira. O mapa das urnas apenas confirma que não temos partidos políticos, temos políticos com suas respectivas turmas que se revezam no poder. Em muitos casos, não são turmas, são bandos. Somados aos líderes carismáticos especializados na formação de quadrilhas institucionalizadas.

No seu Dicionário Amoroso da América Latina, o escritor Mario Vargas Llosa lembra dos discursos de André Malraux, "o único grande escritor que conheço que falava tão bem quanto escrevia", sobretudo de um pronunciamento numa campanha eleitoral que abria com esta incômoda verdade: "Que época estranha, dirão da nossa os escritores do futuro. Em que a direita não era direita, a esquerda não era esquerda e o centro não estava no meio".

Os escritores do futuro, aos quais se referia André Malraux, são as testemunhas do que restou da política brasileira: uma aborrecida disputa de turmas que aqui e ali costuram o avesso do futuro. A turma da esquerda não se mantém à esquerda, a turma da direita não conserva a direita e a turma do centro nunca se encontra no meio. Nossos parâmetros políticos são estabelecidos pelo espírito de turma, conforme os interesses das hierarquias municipais, estaduais e federais. E assim passamos os dias, com uma turma enfrentando a outra no lado de dentro, enquanto outra turma explode rojões no lado de fora.

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