“Moro em Curitiba há 29 anos e jamais vi nada igual ao protesto do último domingo. Eu fui para a rua; estava tudo lindo. Foi uma verdadeira festa da democracia. Havia famílias, pai, mãe, filhos, avós etc. Tudo o que se possa imaginar que esteja ligado à cidadania estava presente no movimento, o qual foi absolutamente pacífico e ordeiro”, escreveu Elcio André Paludo, na Coluna do Leitor da Gazeta do Povo.
Não é de hoje, a urbanidade é uma das características de Curitiba. Em 1820 Auguste de Saint-Hilaire já havia ficado impressionado com os hábitos dos pioneiros. Ao ser servido de um belo jantar na casa do Capitão-mór, o botânico francês achou a carne excelente, o pão muito bem feito, de maneira que as gentilezas o levaram a mencionar um hábito incomum em suas andanças: “O jantar começava sempre, como na França, por uma sopa com pão, o que eu ainda não tinha visto em nenhum lugar do Brasil”.
“Que cidade é esta?”, poderia ter escrito Saint-Hilaire.
Se os curitibanos são assim organizados, tão ordeiros que fazem fila até para pular poça d’água, por que não seriam também organizados na marcha contra a corrupção e a inoperância do poder público?
Num Brasil diferente – para lembrar Wilson Martins –, tudo em Curitiba deve estar no seu devido lugar. Se não está, é por falha nossa. Inclusive o pão diante do prato de cada comensal – como observou o viajante. Enquanto nove em cada dez brasileiros são técnicos de futebol, em Curitiba a mesma proporção se aplica ao número de urbanistas, quando se trata de mobilização urbana.
Se os curitibanos são assim organizados, tão ordeiros que fazem fila até para pular poça d’água, por que não seriam também organizados na marcha contra a corrupção e a inoperância do poder público?
Aos que apostaram na timidez dos curitibanos, saibam os incrédulos, do princípio ao fim a marcha dos 80 mil obedeceu à seguinte organização: à frente da multidão, aquela “velha senhora” – conhecida íntima da presidente – recebeu todas as atenções, entre blasfêmias, escárnios e apupos; em seguida, faixas em louvor à Polícia Federal e um modesto cartaz do Museu Oscar Niemeyer agradecendo à Justiça Federal pelas doações em favor de seu acervo; engrossando os protestos, a barulhenta manifestação dos insatisfeitos com Beto Richa, frustrações representadas pelas principais promessas na campanha de reeleição do governador: segurança, saúde, educação, dinheiro em caixa e tudo o mais que de melhor estaria por vir; por último e mais notado, o maluco que toda família curitibana esconde no porão com uma faixa pedindo a volta dos militares.
No dia seguinte ao clamor das ruas, o patife Renato Duque foi reconduzido à carceragem da Polícia Federal. Depois de desembarcar no Aeroporto Afonso Pena, percorrer a Avenida das Torres, cruzar com as Vias Expressas, os Ligeirinhos, as estações-tubo e seguir pela Via Rápida em direção ao Campo Comprido, o prisioneiro perguntou: “Que cidade é esta?”
“É a cidade do juiz Sérgio Moro!”, respondeu o carcereiro.