De Lisboa
"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo". A frase é do escritor José Saramago e, presume-se, é o que dizia ao entrar no seu restaurante de estimação em Lisboa, o Farta Brutos. Emoldurado por trepadeiras num venerável edifício pombalino do século 18, o endereço conta uma história de espera. Não a impaciente espera de quem não tem tempo para saborear o cardápio, onde salta aos olhos o "Bacalhau a Farta Brutos". Farto como todos os outros, o prato só vai à mesa com o nihil obstat de Francisco Rego Oliveira, o patrão que tem para contar uma história de espera.
Aos 5 anos vi meu pai sair de casa para nunca mais voltar! começa Francisco a sua narrativa, tendo ao fundo as paredes cobertas de fotografias, entre as quais a de Jorge Amado. Meu pai, de uma família abastada de Vila Cova, era o filho mais novo e o único que sabia escrever. Era escrivão, andava sempre de gravata e usava perfume Tabu. Casara-se com minha mãe, 26 anos mais nova que ele, e ao mesmo tempo namorava uma rapariga da cidade vizinha.
Assim era meu pai, que largou a família e viajou ao Brasil. A única notícia, em anos, foi uma fotografia que me mandou, com essa dedicatória: "Ofereço ao meu filho Francisco está fotografia do meu Anniversário em 24/5/64. Rio, 24/5/64".
Um dia, o embaixador do Brasil em Portugal, José Aparecido de Oliveira, veio ao restaurante. Mostrei a foto, ele pegou e, com o carimbo quase apagado de trás, a polícia secreta brasileira localizou meu pai, Antônio Esteves de Oliveira, no bairro carioca de Rocha Miranda. O embaixador e o presidente da TAP, o comandante Gomes Mota, que almoçava cá, me garantiram a viagem ao Rio de Janeiro.
Fui a Rocha Miranda com dois guarda-costas. No boteco, paguei cinco caixas de cerveja para os locais soltarem a língua. Juntando informações, cheguei a uma casa térrea, abri a porta, subi dois degraus e vi, ao lado direito, uma escadinha externa. E muitos miúdos a sair, negros, mulatos. No Brasil, meu pai teve seis mulheres e 12 filhos. "Me parece que estou na casa do meu pai", disse. "Ele está cá?".
"Está", me responderam. Entro e vejo a cama onde ele dormia e uma mala. Reconheci a mala com que ele saíra de Portugal. "Este é o meu pai!". Tinha levado uma Kodak para fotografá-lo, mas ele estava com arteriosclerose e nem sabia mais que tinha filho (Francisco enxuga as lágrimas que a lembrança provoca, com as costas das mãos). Teve uma vida muito má, desgraçada. Não tirei uma foto sequer. Nos seus últimos anos, mandei-lhe um par de óculos e dinheiro todo mês. Ele morreu com 98 anos.
"Das habilidades que o mundo sabe, essa é a que ele ainda faz melhor: dar voltas!" dizia José Saramago. Na Rua da Espera, 20, Francisco Oliveira sabe muito bem disso. Tanto que na porta de entrada do Farta Brutos lê-se o aviso: "Aqui se mastiga!".
O minério brasileiro que atraiu investimentos dos chineses e de Elon Musk
Desmonte da Lava Jato no STF favorece anulação de denúncia contra Bolsonaro
Fugiu da aula? Ao contrário do que disse Moraes, Brasil não foi colônia até 1822
Sem tempo e sem popularidade, governo Lula foca em ações visando as eleições de 2026