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Dante mendonça

Visagens do cofre da viúva

No alto dos Campos Gerais, na altura de São Luiz do Purunã, as notícias sobre os assaltos de quadrilhas organizadas aos cofres do governo não chegam muito bem sintonizadas. Para os caboclos, as falcatrua parecem coisa do arco da velha: “Tesouro escondido nos Alpes Suínos?” – pergunta o peão que não entendeu bem a fala do locutor da Rádio Central de Ponta Grossa. “Alpes Suíços!” – corrige o capataz, mais letrado e rodado.

Nas noites de inverno – diz o inventário do falecido fazendeiro e historiador José Carlos Veiga Lopes, ex-presidente da Academia Paranaense de Letras –, é quando o vento, assobiando por entre as árvores, gosta de soprar histórias de tesouros enterrados. No quartinho de fogo, as chamas aquecem a água para o chimarrão. Os peões, envoltos em capas, sentados em banquinhos, vão proseando enquanto sorvem o mate. Com o rádio ligado, um assunto puxa outro e os tesouros são desenterrados do fundo da imaginação.

“O que não presta são as visagens dessa gente do governo. Roubar o cofre da viúva e esconder nos Alpes Suínos”

“Não entendo porque andar tão longe para esconder os bilhões do cofre da viúva. Aqui perto de Castro, lá no Capão do Cemitério é que tem um lugar bem ajeitado pra enterrar o dinheiro. Não é nenhum cofre de banco, não tem chave nem senha, mas só a pessoa certa é que pode desencavar a fortuna”.

“Nos Campos Gerais sempre foi assim. Os tesouros têm uma guarda, uma visagem. É um escravo da guarda que despista os procuradores de panela. Certa feita um tal de Avelino foi lá com uma pá e apareceu uma visagem dizendo que, se ele matasse o filho mais velho e levasse o corpo, lhe seria revelado o ponto donde o tesouro foi enterrado. Dizem que ele chegou a levar o filho até a beira do capão, mas o piá desconfiou e fugiu”.

“Não precisa ir muito longe. Aqui perto tem uma panela enterrada na antiga Fazenda da Viúva, no caminho da tropa que ligava Ponta Grossa a Curitiba. Diziam os antigos que a viúva era muito rica e, quando por lá passavam os tropeiros, todos queriam passar a mão na dona da casa. Melhor dizendo, na fortuna da mulher”.

“Pois eu sei um pouco diferente. Muito bonita, vinham viajantes do Brasil e do mundo para casar com a viúva. Daí que o chamado cofre da viúva entrou na boca do povo como se fosse dinheiro do governo”.

“E vocês sabem que a nossa cidade de Palmeira vem de longe. Era o nome da Fazenda Palmeira do médico Franco Grillo, italiano que deu origem à lenda do tesouro escondido entre uma laranjeira e uma jabuticabeira. Doutor Grillo adquiriu a fazenda atraído pelo delírio de um preto velho que, antes de morrer, confessou que certa noite viu seu patrão deixar a casa grande com uma enxada e uma panela na mão. Dentro da panela, revelou o moribundo com os olhos esbugalhados, havia qualquer coisa como dinheiro amoedado. O velho escravo então acompanhou o dono da casa cavando entre uma laranjeira e um pé de jabuticaba. Com a cova funda, o patrão enterrou a panela abarrotada de moedas e cobriu o buraco com algumas lajes de pedra soltas. Feito isso, o dono voltou pra casa e o escravo para a senzala, onde guardou o segredo a sete chaves com medo de castigo. Com o preto velho se foi o mapa do tesouro, mas o italiano Franco Grillo, levado pelo delírio do moribundo, adquiriu a Fazenda Palmeira e nunca mais desistiu de procurar a panela com dinheiro amoedado entre laranjeiras e jabuticabeiras”.

“Vocês acreditam em tudo...! Essas visagens de riqueza não prestam!”.“Pois eu sempre soube que não presta é compadre dormir com comadre, senão vira boitatá! Quando eu era piá, também diziam que não prestava andar de costas, nem brincar com terra, senão morria a mãe da gente!”.

“O que não presta mesmo são as visagens dessa gente do governo. Roubar o cofre da viúva e esconder nos Alpes Suínos, onde já se viu!”.

“Alpes Suíços, compadre! Alpes Suíços!”.

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