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Fernando Martins

A Catedral e a índole gótica do curitibano

Na correria do dia a dia, os curitibanos que passam pela Praça Tira­dentes nem sempre reparam, mas estão diante de uma das joias da cidade. É só parar e apreciar. Ou melhor: parar, entrar e apreciar. A Catedral Basílica, dedicada a Nossa Senhora da Luz, cuja data festiva se comemora hoje, é um refúgio da agitação da cidade grande. Tudo nela é um convite à reflexão: o silêncio respeitoso e a sutil penumbra interna que só ressalta a beleza da luminosidade exterior, filtrada pelos delicados vitrais.

Mas quem contempla atualmente a quietude da Matriz não imagina a acirrada disputa que envolveu sua construção e dividiu a provinciana Curitiba do fim do século 19. E nem sequer cogita que, dessa saga, emergiu uma Basílica que se tornou em si um símbolo do que é o curitibano – um brasileiro diferente.

Pelos idos de 1875, a velha Catedral barroca da cidade corria risco de ruir. Foi quando se decidiu pela demolição da Matriz e pela edificação de uma nova. Não sem muita polêmica, conta o historiador Ruy Christovam Wachowicz, no livro As Moradas da Senhora da Luz. Três estilos arquitetônicos foram propostos para a futura Catedral: bizantino, neogótico e barroco. O projeto bizantino foi logo descartado. Mas uma "guerra" foi travada anos a fio pelos defensores dos dois modelos restantes.

Os moradores mais tradicionais, brasileiros antigos de origem portuguesa, defendiam que a nova Matriz mantivesse a inspiração barroca – escola consagrada em todo o país desde o período colonial, marcada pela exuberância de formas e pela tensão entre a opulência da materialidade e as exigências do mundo espiritual. Enfim, um estilo que resume ainda hoje o caráter do brasileiro: extrovertido, colorido, sensual mas religioso, por vezes rebuscado.

Os curitibanos mais antigos condenavam o gótico. Diziam que não representava a brasilidade; que era um estilo estrangeiro. De fato, quem o defendia eram os habitantes da cidade menos tradicionalistas, muitos dos quais imigrantes chegados à cidade há pouco tempo.

Mas o novo, à época, venceu a contenda. A Catedral, inaugurada em 1893, era neogótica – estilo grandioso, mas não opulento como o barroco, que busca criar ambientes interiores de reflexão e introspecção, principalmente por meio das altas colunas e da filtragem suave da luminosidade exterior por meio dos vitrais. Uma igreja de luz, enfim, havia sido escolhida para ser casa da Senhora da Luz.

Talvez os curitibanos do século 19 nem tenham se dado conta, mas a escola arquitetônica que elegeram para sua Matriz representaria o caráter de seus descendentes melhor do que o barroco. Afinal, o que não é a personalidade fechada do curitibano senão uma das facetas de sua índole introspectiva, gótica?

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