Nas gravações comprometedoras em que fala em um pacto para barrar a Lava Jato, o agora ex-ministro Romero Jucá compara o juiz Sergio Moro (e a operação que ele conduz, por consequência) à Torre de Londres – local em que os monarcas ingleses prendiam e torturavam seus inimigos políticos para extrair confissões, sobretudo nos séculos 16 e 17.
Jucá, o governo Temer, a gestão Dilma e a classe política de modo geral, por sua vez, muito bem poderiam ser personificados por um edifício erguido na outra margem do Tâmisa, não muito longe dali, que também marcou aquela época: o Globe Theatre, onde Shakespeare exibia suas peças.
É marcante o trecho da peça em que a rainha tenta convencer o filho a abandonar o luto e o sofrimento
Brasília é uma grande encenação. De uma tragédia shakespeariana. Muito pouco realmente é o que parece (ou que tentam fazer parecer) no Planalto Central.
Talvez não haja história que melhor exemplifique a política nacional do que Hamlet. Há muitas formas de interpretar a obra-prima de Shakespeare – afinal, é um clássico. Uma delas é sob a ótica da tensão moral entre aparentar e ser.
O príncipe Hamlet vivia a tranquilidade da ilusão. Foi quando o espectro de seu pai aparece e lhe apresenta a crueza da realidade (todos têm, afinal, fantasmas adormecidos que voltam para mostrar como as coisas são de verdade). Havia enfim algo de podre no reino da Dinamarca: sua mãe havia dormido com seu tio – que, para tomar o trono e a rainha, matara o rei fazendo todos crerem que o assassinato fora uma morte natural. Nada era o que aparentava ser na corte de Elsenor.
É marcante o trecho da peça em que a rainha tenta convencer o filho a abandonar o luto e o sofrimento, questionando por que parece que a morte do pai o afeta de modo tão intenso se ele sabe que tudo o que vive um dia morre. Ao que Hamlet responde: “Parece, minha senhora? Não: é! Não sei ‘parecer’!”. O príncipe sofria. De verdade.
Com essa angústia no peito, Hamlet então pergunta a si próprio, naquela que é a expressão mais famosa da peça: “Ser ou não ser?” Pode-se entender o questionamento como a dúvida entre ser autêntico e lutar contra as injustiças ou resignar-se a elas, sucumbindo ao mundo das aparências e conveniências sociais.
Há muito de Elsenor nos palácios de Brasília. O PT chegou ao poder empunhando a bandeira da ética na política, mas se envolveu em um mar de lama. Foi tirado do Planalto em nome do combate à corrupção – as pedaladas fiscais de Dilma foram o motivo formal, mas dificilmente o impeachment avançaria se a Lava Jato não tivesse atingido os principais nomes do partido.
Michel Temer assumiu prometendo fortalecer a operação. A composição da nova Esplanada – cheia de ministros investigados e citados na Lava Jato – levantou a suspeita de que não é bem assim. A gravação de Jucá fortalece a dúvida sobre as verdadeiras intenções do governo interino e do que motivou, de fato, o afastamento de Dilma. O que é, afinal, aparência e o que é real na corte de Brasília neste momento?
Essa dúvida, por sua vez, coloca todos os políticos e cidadãos, sobretudo aqueles que pediram “fora, Dilma”, frente a um dilema ético tipicamente hamletiano: continuar a lutar contra a corrupção ou resignar-se às conveniências de um novo governo que promete estabilizar a economia? Escolher, enfim, entre ser um defensor do bem público. Ou apenas aparentar sê-lo.