Os livros de história registram que o militarismo alemão foi uma das causas da Primeira Guerra Mundial, cujo início completou 100 anos no último dia 28. Imbuídas de espírito expansionista, as Forças Armadas não eram apenas influentes na condução do Estado. A população as admirava. O povo também cultuava outro valor caro aos militares: a autoridade rígida a um passo do autoritarismo. Quando a Alemanha deu os primeiros disparos, os comandantes da nação tiveram apoio popular para levar adiante a insanidade do conflito bélico. Porém, a Alemanha poderia ter aprendido, oito anos antes, o risco que é acreditar cegamente nos desígnios das autoridades. Não por meio da tragédia dos campos de batalha. Mas pela comédia.
Em 16 de outubro de 1906, um sapateiro gaiato de Berlim Wilhelm Voigt (ou Guilherme Voigt, na versão aportuguesada) pregou uma enorme peça no establishment alemão. Vestiu-se com um velho uniforme de capitão do Exército que havia comprado. Saiu, então, pelas ruas da cidade. Ao cruzar com um grupo de quatro soldados, deu ordem para que entrassem em forma e o seguissem. Os militares nunca haviam visto aquele capitão. Mas a hierarquia militar não é para ser questionada. E o sapateiro arrumou um séquito.
A tropa rumou então a Köpenick, pequena cidade nos arredores de Berlim. Lá, Voigt arregimentou mais três policiais para segui-lo na "missão". Todos se dirigiram à prefeitura, sem questionar o chefe. Na administração municipal, o sapateiro exigiu que lhe pagassem 4 mil marcos. O pedido era estranho. Mas autoridade é autoridade, afinal. O "capitão" recebeu o dinheiro, passou recibo e ainda mandou prender o prefeito.
O delírio do sapateiro durou seis horas. O capitão de Köpenick, como ficou conhecido, foi desmascarado e detido. A história, porém, estampou as manchetes dos jornais de toda a Europa e desmoralizou o militarismo alemão. Nem mesmo a condenação de Voigt a quatro anos de prisão amenizou o vexame. Ele cumpriu dois anos e saiu da cadeia como uma celebridade. Passou a ganhar a vida se apresentando pela Alemanha fantasiado de capitão.
Apesar disso, os alemães não lembraram da história ao seguir seus líderes nos eventos que levaram à Primeira Guerra. Tampouco evitaram embarcar, logo depois, num delírio coletivo ainda maior: o nazismo, que causou a Segunda Guerra. Não por acaso, os nazistas baniram uma peça teatral que encenava a farsa do capitão de Köpenick. Rir da autoridade era muito perigoso para a manutenção do sistema.
Este é o último de uma série de três artigos sobre os 100 anos da Primeira Guerra Mundial.
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