A Fórmula 1 de certa forma é um espelho da sociedade contemporânea. Lá estão atores e características típicas do mundo atual – capitalista, globalizado e carente de referenciais éticos. Grandes empresas montam ou patrocinam equipes, que competem entre si nos autódromos de todos os cantos do planeta, mais ou menos como fazem na disputa pelos mercados internacionais. Quem não investe em tecnologia literalmente fica para trás.

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O campeonato é ainda um show midiático, o que o torna produtor de celebridades (os pilotos) e um cobiçadíssimo espaço publicitário. As corridas carregam histórias de superação e dramas humanos. E, infelizmente, refletem também a falta de ética e de moral do nosso tempo.

A ordem que a Ferrari deu a Felipe Massa para permitir a ultrapassagem de Fernando Alonso no Grande Prêmio da Alemanha é um desses fatos que parecem esbofetear nosso entendimento do que é correto. O esporte, por mais que seja um multimilionário negócio, não deixa de ser uma competição. Portanto, por regra o vencedor deveria ser o melhor. Não foi o que ocorreu no último domingo. Venceu alguém que tem privilégios.

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Nisso a Fórmula 1 nada mais faz do que refletir o que ocorre na nossa sociedade, muitas vezes injusta. Talvez por esse motivo a atitude de Massa e da Ferrari tenha causado tanta reação contrária. Ela é mais do que uma ofensa ao nosso sentimento de justiça. Ela nos faz lembrar como as coisas são – e como não deveriam ser.

É curioso observar ainda que a amoralidade é recorrente na Fórmula 1 porque não há punições aos desvios éticos e, quando existem, elas são leves – em mais uma incômoda semelhança com nosso mundo moderno. Alain Prost ganhou o campeonato de 1989 jogando o carro sobre a McLaren de Ayrton Senna. O brasileiro foi campeão do ano seguinte retribuindo na mesma moeda contra Prost.

Em 1995, foi a vez de Michael Schumacher celebrar o campeonato tirando deliberadamente o vice Damon Hill do último grande prêmio da temporada. O alemão tentou fazer o mesmo contra Jacques Villeneuve em 1997. Mas, como o carro do oponente não saiu da pista após a batida, o campeão foi o adversário. Schumacher venceu outras tantas vezes o campeonato usando por várias vezes a estratégia de obter ultrapassagens sem esforço sobre seu companheiro de equipe, Rubens Barrichello – por ordem da Ferrari.

Já em 2007 a McLaren foi flagrada fazendo espionagem de projetos de outras equipes. Não foi punida exemplarmente e acabou sagrando-se campeã apenas um ano depois.

Neste mesmo 2008, o brasileiro Nelsinho Piquet provocou propositalmente, por ordem de sua equipe, a Renault, um acidente no GP de Cingapura – que acabou levando seu companheiro de escuderia, Fernando Alonso, à vitória naquela corrida. O diretor da equipe, Flavio Briatore, foi o único punido. Acabou sendo banido das competições automotivas – pena que já foi atenuada. A equipe continua por aí. Bem como o polêmico Alonso.

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Na Fórmula 1, enfim, o "crime" parece compensar. Seria bom que as grandes multinacionais que patrocinam a competição – e que costumam adotar o discurso da ética e da responsabilidade social – começassem a repudiar esse tipo de atitude. Ou teremos fortes indícios de que tudo não passa de meras palavras ao vento.